Multi pertransibunt et augebitur scientia (Muitos passarão, e o conhecimento aumentará).

sábado, 27 de junho de 2020

COMO TORNAR-SE UM DISCÍPULO


Por Mario Sales

                     




Depois que intitulei o ensaio é que percebi minha arrogância e vaidade.
Quem sou eu para, em nome dos mestres, orientar alguém sobre como e o que fazer para tornar-se um discípulo? Eu, que não tenho tal merecimento e que nunca tive a oportunidade de privar da amizade ou da orientação pessoal consciente destes homens maravilhosos para os quais a vida do estudante rosacruz gravita.
Sim, porque quando entrei na Ordem, 45 anos atrás, esta era a mensagem: que , se em outras Ordens o objetivo era tornar-se um mestre (tome-se como exemplo os vaidosos maçons) entre os rosacruzes o cimo da montanha era tornar-se discípulo.
Não tenho, portanto, procuração ou evolução para falar em nome daqueles que alcançaram um nível ao qual só chegarei, provavelmente, após algumas outras encarnações depois desta.
“O tempo, entretanto, não importa. Só a vida importa.”
As coisas que vamos discutir aqui, portanto, são as minhas impressões, que eu espero sejam satisfatoriamente inspiradas, retiradas da leitura das Cartas dos Mahatmas, esse belíssimo e fecundo conjunto de documentos, preservados com carinho e cuidado na London Library, no Reino Unido.





Os teósofos tem como certo que os textos mais importantes de sua imensa bibliografia são a Doutrina Secreta e Ísis sem véu, já que sua autora é também a fundadora e a mais importante mística do século XIX.
Eu, como estudante rosacruz, sei que os textos que mais me importam são este conjunto de cartas, dirigidas a pessoas, às vezes, sem qualquer mérito espiritual pessoal para recebê-las.
Aqui lembramos de Atos dos Apóstolos, 10:34 “Deus não faz acepção de pessoas.”
Fazem alguns dias, tive um insight acerca destas cartas. Elas não foram escritas para quem as recebeu, mesmo que estes suponham que sim.
Foram escritas para toda a humanidade.
Pertencem a toda a Humanidade.
Esclarecem e detalham a natureza dos Mestres e de sua instituição, mostram-nos como homens e não deuses, criticam abertamente a superstição e o dogmatismo em todas as religiões, cristãs ou não cristãs, deixando bem claro a diferença do caminho para religiosos e para  aqueles que buscam o despertar da consciência cósmica, que é como os rosacruzes chamam o fenômeno da iluminação.
Por isso o meu fascínio por estes documentos.
Os textos esotéricos são cheios de enigmas e símbolos de difícil compreensão. Foi assim no passado por razões objetivas de segurança de quem os produzia. Havia perseguição aos estudantes do oculto, os quais eram frequentemente presos, torturados e mortos caso fossem descobertos ou denunciados.
Hoje esse risco não existe por um motivo simples: ninguém mais se importa. 
As "Cartas", ao contrário, são claras e objetivas, já naquela época em que foram escritas, final do século XIX.
O Ocultismo ou o estudo do Esoterismo é visto atualmente como uma atividade de cunho intelectual, e muitos olham com desinteresse ou mesmo ironia para aqueles que se dão a este metier, considerando-os, no mais das vezes, pessoas curiosas ou fantasiosas.
Nenhum cientista conhecido, aliás, daqueles que são respeitados no meio acadêmico, admitiria publicamente interesse nas coisas do oculto, sob pena de perder financiamentos ou angariar o desprezo de seus pares.
É preciso que seja um Einstein, já de cabelos brancos, para deixar a vista de todos, em cima de sua mesa de trabalho em Princeton, uma edição da Doutrina Secreta sem pudor ou cuidado.
Quanto mais aceitar que em algum lugar do planeta existam alguns homens que alcançaram tal grau de evolução que se libertaram das limitações humanas, a doença, o sofrimento e a morte física.
Mesmo assim, lembra Raymond Bernard em um artigo publicado na serie “Luz que vem do Leste”, no segundo volume dos quatro, que “os mestres cósmicos não são divindades. Eles não constituem uma ordem hierárquica de santos e anjos. Os mestres cósmicos” continua ele, “são inteligências que já foram seres mortais.” E conclui: “Queremos dizer, isto sim, que esses mestres desenvolveram os poderes espirituais de seu ser, ao ponto de se tornarem capazes de superar as limitações físicas de sua natureza.”[1]
Portanto, ser discípulo de um Mestre Ascenso não é ser discípulo de um deus, mas de um nobre e qualificado professor do oculto. É para isso que nos tornamos estudantes rosacruzes, é para isso que passamos por nossas 12 iniciações de templo, para isso que nos reunimos em Loja: para prepararmos nosso corpo e mente para este momento, em que a Luz verdadeira, o raio de luz violeta, virá em nossa direção e atravessará nosso peito, libertando-nos da ilusão de que somos outra coisa senão uma extensão de Deus, temporariamente neste corpo físico, enquanto for necessário para nossa evolução e de toda a Humanidade.
Extensão de Deus como todos a nossa volta, portador da Luz de Deus como qualquer ser humano, do mais nobre ao mais renomado patife, todos luz, estejam ou não conscientes disto, lembrem-se ou não deste fato.
Para ser discípulo, antes é preciso reconhecer o Shekinah em nós, a Divina Presença.
Isso nos prepara.
As meditações, as harmonizações elevam nossa consciência ao nível aonde vivem estes mestres cósmicos, como se aprendêssemos a língua em que falam para poder compreender seus discursos e instruções.
Soror Lídia, que já não está entre nós fisicamente, decana dos rosacruzes de minha cidade, lembrava que nas reuniões rosacruzes “não são os Mestres que descem até nós, mas nós que nos elevamos até eles”.
Não é preciso nenhum transe, nenhum estado alterado de comportamento para entrarmos em contato com esses seres. Precisamos isto sim de lucidez, clareza mental, e embora possamos vê-los em sonho, no estado onírico, melhor será o dia que os veremos em vigília, sentados em nosso sanctum, conversando como só um mestre e discípulo conversam.
Nas Cartas dos Mahatmas eles deixam claro que não aceitam os discípulos de modo simples e rápido. Existe um período, digamos assim, de experiencia, para que se consolide a certeza do merecimento daquele que se dispõe a receber este ensinamento.
Estes estudantes são chamados nas Cartas de “Chelas em Probação”, ou aquele que está sendo submetido a uma prova, a um teste, para só depois que for aprovado, tornar-se um verdadeiro e legitimo discípulo.
Esta é a segunda qualidade, a meu ver, de um verdadeiro discípulo: paciência. Devemos esquecer a contagem dos dias, dos anos, dos séculos. Todos os seres humanos estão condenados a ser deuses, já lembrava em sua obra um teósofo português.
Só que tudo acontecerá quando for a hora adequada, não antes. Daí a frase, “quando o discípulo está pronto, o mestre aparece!”
É preciso ter paciência e confiar. E neste período, estudar e descansar. Estudar e se divertir, porque a alegria é uma condição fundamental ao verdadeiro iniciado. Um iniciado triste é um triste iniciado.
A solenidade necessariamente não significa respeito. Pode ser apenas hipocrisia, medo ou reflexo de uma compreensão equivocada da hierarquia.
Seres realmente elevados não são arrogantes, não são vaidosos, e repugnam serem tratados como manifestações sobrenaturais.
Não existem tais coisas, fenômenos sobrenaturais.
Tudo é natural, como a levitação por som, recentemente desenvolvida em laboratórios ingleses, não representa mais do que um avanço tecnológico, mas seria entendida como magia por espécies menos avançadas.
Essa é a terceira condição necessária ao verdadeiro discípulo: desassombro. Não olhar para os mestres como seres fantasmagóricos nem deixar-se impressionar com as maneiras pelas quais se manifestam para as suas aulas e preleções, seja através da telepatia ou pela materialização pessoal no ambiente do sanctum do discípulo.
É preciso lembrar que não se precisa ir a nenhum lugar para receber o ensinamento. Desde que o discípulo esteja pronto, o ensinamento virá até ele, “materializando-se sobre sua mesa de trabalho, como que por mágica”. Só que não é mágica, mas ciência aplicada, uma avançada ciência, tão antiga quanto possamos imaginar, porém esquecida e por isso, oculta de muitos.
Finalmente, como quarta condição, um discípulo deve aceitar que a iluminação não é a entrada no paraíso, mas a saída do inferno; portanto, solicita-se desapego ao passado. E quem está, há muito entre as chamas, deverá antecipar um certo desconforto em não mais sentir o calor das chamas, talvez até um frio inicial, que deverá ser superado com o tempo.
Este nível em que existimos, que eu metaforicamente chamei de Inferno (que em latim significa “mundo inferior”) não é apenas o lugar de dor e do ranger dos dentes. Tem lá suas qualidades. Aqui estão nossa família, nossos amigos, nossos prazeres e paixões.
Desapegar-se do que nos incomoda é fácil. Desapegar-se daquilo que nos traz alegria já não é tão simples.
E desapego é desapego, de coisas e pessoas.
O Buda abandona não só o conforto e o luxo de seu palácio em busca da espiritualidade; abandona também uma jovem e bela esposa e um filho recém-nascido. Seríamos capazes? Teríamos este grau de obstinação e vontade, este grau de determinação, em busca da luz?
Aqui é o momento de encerrarmos nossas considerações. Porque não é necessário angustiar-se por algo que ainda não aconteceu.
A cada dia sua agonia, e da mesma maneira, a iluminação virá quando for a hora certa.
E embora considere essas quatro condições (reconhecer em si a presença de Deus, ter paciência, desassombro e desapego) como condições muito importantes para a iluminação, é preciso lembrar a quinta e última condição daqueles que pretendem, algum dia, transcender este plano de consciência.
Eu falo do primeiro degrau da escada de Rá, o degrau roxo, o degrau da temperança, do equilíbrio, da ponderação.
É neste degrau que tudo se inicia.
É quando, cientes de nossas limitações humanas, mantemos uma atitude equilibrada, sem querer “apressar as águas do rio, já que elas correm sozinhas”. Basta que dediquemo-nos ao que importa, a verdadeira oração, chamada serviço, a palavra de passe do artesão, a palavra de passe para um verdadeiro mestre.
Está em Marcos 10: 44,45:
“E qualquer que dentre vós quiser ser o primeiro, será servo de todos.
Porque o Filho do homem também não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de muitos.”
Assim, compreendam os Mestres como servidores do Altíssimo, e sua aparente severidade é a mesma de qualquer professor que quer que seu aluno seja o melhor possível.
Sua condição de Mestres também os torna seres plenos de amor e compaixão, dedicados a servir a humanidade e seus discípulos, preparando aqueles que estiverem aptos a receber o mais alto ensinamento.
Que Deus abençoe seu trabalho.


[1] “A LUZ QUE VEM DO LESTE” 2° volume, pág.11, Biblioteca Rosacruz, 2ª edição, 1987


4 comentários:

  1. Parabéns, um dos melhores artigos seu na minha opinão na auto-descoberta do ser.

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  2. Até hoje Cartas dos Mahatmas se coloca num local de destaque na minha caminhada iniciatica. Uma bussola para seguir no caminho.

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  3. É preciso ter muito respeito pela vinculação de Blavatsky com esses tão augustos seres, mas, permita-me uma observação: na tradição Martinista não há mestres de cunho oriental, pelo menos não naquilo que se considera "orientalismo". Assim, é estranho que Saitn-Germain, um grande mestre, sem dúvida, mas não dos maiores que estiveram presentes no Convento de Wilhelmsbad, promovido pelo grande Willermoz, entre outros. Saint-Germain viveu e morreu como qualquer outro mortal, não foi o maior nem o menor dos grandes nomes do iluminismo francês, mas estranhamente, colocam-no como um dos guias da humanidade. Com todo o respeito, isso não condiz em nada com aquilo que se observa na presente espiritualidade.

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  4. O retrato do Mestre Saint-Germain é também completamente fantasioso.

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