Multi pertransibunt et augebitur scientia (Muitos passarão, e o conhecimento aumentará).

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

O RESSENTIMENTO E O MISTICISMO PRÁTICO


         por Mario Sales

NOTA: Seria extremamente mais produtivo que antes de ler este ensaio, você assistisse os vídeos abaixo, pelo menos as aulas da psicanalista Maria Rita Khel, aos quais este comentário está vinculado. 


É de "Princípios Rosacruzes para o Lar e para os Negócios" que retiro o trecho abaixo:
"Visualização criativa não é a mesma coisa que o mendigo que olha por uma vidraça o jantar de uma família abastada e espera que, por meios mágicos, aquela comida possa ser compartilhada com ele sem que ele nada precise fazer para que isto aconteça."

Este é um dos momentos em que Spence Lewis, nosso primeiro e mais importante imperator para este ciclo de atividades nos lembra da importância da maturidade psicológica e emocional como condições prévias a aplicação das técnicas rosacruzes para o cotidiano.
Uma relação ingênua com a realidade prejudica e inviabiliza muitas das poderosas ferramentas do rosacrucianismo, já que o mundo psíquico só prospera em um ambiente psicológico são.




Toda vez que eu vou ao universo místico sem cuidar antes de meus problemas psicológicos, de minha harmonia psicológica, geralmente o resultado é a perversão do objetivo, ou por um projeto de poder através do ocultismo ou através da criação de falsos agrupamentos esotéricos que visam apenas e tão somente satisfazer o Ego, os Desejos e a Vaidade de seus fundadores, como o caso de Aleister Crowley e de sua filosofia básica, Thelema.
Faço sempre distinção entre estas três palavras, Esoterismo, Misticismo e Ocultismo, entendendo Esoterismo como conhecimento marcado pelo segredo, o ato ou protocolo de esconder dos olhos dos não iniciados determinada informação através de códigos, juramentos, símbolos etc.; Misticismo como a prática da busca interior da conexão com a divindade (ou melhor, da conscientização da presença de Deus em nós, já que sem Sua Presença em nós nem existiríamos) seja através da prece, de certos exercícios espirituais ou sons; e finalmente o Ocultismo, como conjunto de práticas que visam obter controle das coisas da Natureza Terrena (Magia) ou das coisas divinas (Teurgia) através de rituais, encantamentos e palavras.
Hoje, como Martinista, não Martinezista, e como Rosacruz, me interesso muito mais pelo Misticismo, já que o Ocultismo, como já argumentei aqui, é um procedimento arcaico e o Esoterismo, nesta época digital e informatizada é algo quase impossível do ponto de vista formal, e somente o esoterismo de conteúdo persiste (exemplo: esotérico não é aquele saber que eu escondo em um cofre, mas sim o conhecimento de difícil compreensão pela sua própria natureza, seja aquele simbólico-místico, filosófico ou técnico, seja a Doutrina Secreta de Blavatsky ou um texto sobre física de partículas sub atômicas).


O ressentimento que inviabiliza a prática do misticismo, (ressentimento no sentido como está descrito nas palestras da psicanalista Maria Rita Kehl e na fala de da pensadora e teatróloga Ayn Rand, que eu postei em vídeo no blog agora há pouco, e que norteiam este comentário) pode ser percebida na infantilização com que alguns praticantes de misticismo se relacionam com o Universo, não entendendo que quando falamos que, com a iluminação, toda a Criação conspira a nosso favor, não queremos dizer que ela se torna magicamente nossa escrava, mas sim que por ampliação de qualidade da nossa consciência nos tornamos harmônicos com ela, absolutamente rendidos a sua vontade, que aí sim passa a ser a nossa vontade.



O verdadeiro poder vem da empatia entre o que somos e o que a criação é, não de um processo de subjugação da Natureza ao nosso egoísmo.
Criar uma vida próspera mentalmente e transformar essa visualização em fato, na vida material, só é possível quando estamos despidos de egoísmo ou ressentimento, quando estamos livres de uma perspectiva infantil de nossa própria relação com Deus. Saber que Deus proverá não significa negociar com a Divindade, prometendo-lhes coisas materiais em troca de outras coisas materiais, já que Deus não participa de tais estratégias nem as reconhece como legítimas. O Altíssimo nos provê materialmente por que a abundância é a natureza verdadeira da vida, haja visto as estrelas no céu e os peixes no mar.



Se a vida humana deve ser abundante como a Natureza é abundante, porque tantos passam fome e sofrimento? Por não acreditarem que esta abundância é a forma natural da existência, tomando para si a maldição bíblica do "trabalharás a terra com o suor de teu rosto" ou "parirás com dor" como paradigmas da existência e não condições circunstanciais históricas ou econômico-científicas.
E quando digo "acreditarem" uso uma palavra inadequada pois não se trata de uma questão de fé, mas uma convicção íntima, uma vivência espiritual. Ou o místico já percebeu em si, nos seus ossos, no seu coração, esta condição, e supõe-se que atingiu o grau de consciência adequado a esta percepção, ou não há como demonstrar tal fato, já que sem uma experiência pessoal teremos um diálogo de surdos e o choque de crenças e convicções.
No máximo, podemos fazer o que o rosacrucianismo faz na primeira iniciação de templo: prometer este conhecimento, este poder, esta empatia com a vontade divina como consequência da vivência rosacruciana, embora não se especifique ali que tal poder só contempla aquele que extraiu de si todo ressentimento contra qualquer dificuldade que tenha atravessado.
Um homem ressentido acha sempre que o Universo lhe deve alguma coisa, que seus problemas não foram causados por suas escolhas, que ele não está sujeito a lei do Karma que ele mesmo construiu e constrói todos os dias. Ele atribui seu sucesso ou fracasso aos números, aos odores dos incensos, ao pensamento negativo de outros, às maldições que lançaram sobre ele, porque, supõe ele em sua infinita vaidade, todos o invejam, e ele é uma vítima de sua própria luz.
Prestem atenção: só os carros mais velhos tem plásticos comentando a inveja como um problema. São os mais incapazes exatamente os mais inconscientes de sua responsabilidade em sua própria incapacidade, seja esta incapacidade moral, técnica ou financeira.
É preciso virar o jogo e o começo é mudar a cabeça, a visão de mundo. Primeiro, conscientizar o próprio ressentimento, afeto que, como lembra Maria Rita Kehl, não é um afeto único mas uma constelação de afetos, composição esta que inclui mágoa, inveja, raiva e desejo de vingança, vingança contra aqueles que na sua fantasia o ressentido a culpa pelo seu próprio fracasso.
Somos o que somos por causa de nossas escolhas e pela maneira como encaramos principalmente as escolhas ruins.
Errar e a morte física são as únicas certezas da existência. Só o que podemos é escolher o que fazer com nossos erros e não evitar de cometê-los. Se os considerarmos como fonte de sofrimento, assim será. Se os considerarmos, entretanto, como fonte de aprendizado, elementos de correção de rumo de nossa Vida, assim será, da mesma forma.
Tentar, errar, aprender, tentar de novo, agora com mais conhecimento. E acima de tudo, persistir na busca. Este é um conhecimento de poder, isto é Força, Vida, ou nas palavras de Nietzsche, Vontade de Potência.
Não esqueçamos nunca que o Universo não nos deve nada e nem nós a ele; tudo que está a nossa frente é para ser desfrutado, em sociedade com a Criação.
Esta é a fórmula da Prosperidade física e espiritual, já que uma não anda sem a outra, como lembrava Max Webber, e como todo iniciado rosacruz sabe.

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