Multi pertransibunt et augebitur scientia (Muitos passarão, e o conhecimento aumentará).

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

QUEM AMA, CUIDA E CRITICA


por Mario Sales, FRC.:, Gr.:18 - C.:R.:+C.:, S.:I.:(membro do CFD) 




"...é tranquilizador que o governo esteja atento ao problema (elétrico), é tranquilizador. É ruim quando o problema existe, e as pessoas alertam e o governo entra em negação dizendo que o problema não existe, é ridículo e tal, e trata o alerta como se fosse ameaça ou crítica (destrutiva) ao governo e começa a se proteger quando o que a gente precisa é proteger a população e não se proteger de uma crítica, tem que proteger é a população..."

Trecho da fala de Miriam Leitão, em seu briefing para a CBN, hoje, 7 de janeiro de 2012 por volta de 12:30hs, comentando a convocação pela Presidente Dilma Roussef de uma reunião de emergência hoje para discutir a iminência de um colapso de energia elétrica no país.

Pessoas e instituições lidam mal com críticas. A palavra "crítica", tem na etimologia origem no latim crisis, momento de mudança súbita, ou do grego krisis, decisão, momento difícil, divisão,  e a idéia de crise como algo ruim vem do conceito de "dividir algo que antes era uno", separar em partes, desconstruir. Todo processo destruidor é desconstrutor também, se bem que desconstruir, necessariamente, não signifique, sempre, destruir.
A desconstrução de uma estrutura pode ser parte de seu aperfeiçoamento, de sua reconstrução, de obras de melhoria, de aumento de sua qualidade, em resumo, de uma renovação.
Só que o aspecto de crise como ruptura com um determinado estado, com o status quo, ganhou uma dimensão maior entre as possibilidades interpretativas da palavra, principalmente quando foi associado ao discurso médico. Fala-se em "crise de rins", "crise de angústia", "crise epilética", anexando de modo indelével a palavra a um aspecto mórbido e indesejável.
De forma que já faz um bom tempo, usa-se o termo sempre como sinal de algo ruim, seja no campo social (crise política), no psicológico (crise de choro) ou no religioso (crise de fé).
Ninguém reconhece a crise como uma oportunidade única de permissão para mudanças, como se os componentes de um boneco da Lego fossem retirados um a um e usados na montagem de uma estrutura mais complexa, como um castelo ou mesmo um barco de brinquedo.
Todos estão de acordo, no entanto, quanto ao fato de que crises são momentos de repensar as coisas.
Da mesma maneira a palavra crítica, fora do ambiente filosófico, é encarada com receio, ás vêzes até como uma ofensa pessoal.
Ouve-se frequentemente alguém dizer que "Fulano é muito crítico", ou "Ele só critica" como algo desagradável e desabonador do caráter do citado.
 O Aurélio diz no entanto que crítica é a "arte ou habilidade de julgar, de criticar; juízo crítico; atividade de examinar e avaliar  minuciosamente uma produção artística, literária ou científica, bem como costumes e comportamentos[1]"
Criticar, em filosofia, portanto, significa analisar, de lise, quebrar em partes, para facilitar o estudo do objeto em questão. E é nesse sentido que uso a palavra de maneira corriqueira.
Mesmo com este adendo dicionaresco muitas pessoas, por simples falta de conhecimento do vernáculo ou por falta de intimidade com conceitos filosóficos, sentir-se-ão incomodadas com o processo crítico.
Ser criticado, no entanto, é uma oportunidade de reavaliação e faz parte do jogo democrático. É um momento que pode ser usado como oportunidade de reconstrução de um modelo ou como uma situação de confronto, de desafio, de ofensa.
Quanto menos elaborada intelectual e politicamente ( aqui no sentido de "viver na pólis", na cidade, conviver enfim) alguém for, mais desconforto a crítica lhe causará.
Pode-se argumentar que "não gostamos das críticas excessivamente severas ou desrespeitosas" mas o que se vê, via de regra, é que a maioria das pessoas não gosta de nenhum tipo de crítica, seja ela feita com delicadeza ou não.
É como o humor. O humor a favor não tem graça. Rimos apenas daquilo que nos ridiculariza, que nos remete a nossa humanidade, nossos vícios, nossos defeitos. O humor faz com que possamos rir de nós mesmos e tem a vantagem de ser uma crítica aceitável, já que nos diverte.
O humor é uma forma de arte teatral, a comédia, e mesmo sendo divertido causou embaraço a muitos soberanos.
De qualquer forma não sou humorista, não tenho talento para esta arte, nem sempre minhas críticas, minhas análises, são divertidas e podem parecer até excessivamente severas, a ponto de até uma columbinha pedir que eu cessasse meus comentários, já que ela "ama a AMORC" e não gostava do tom que eu usava.
Filhos também não gostam dos conselhos de seus professores, empregados não gostam da orientação de seus supervisores, a população não gosta de normatizações de suas vidas enquanto coletividade feitas por seus governantes, sejam prefeitos, governadores ou presidentes.
Foi necessário o advento da psicologia como área independente da filosofia para que percebêssemos a importância da maturidade emocional e o quanto a idade psicológica era mais significativa do que a idade cronológica.
Hoje entendemos que uma pessoa adulta, mas imatura, tenha reações típicas de um adolescente, exatamente porque não amadureceu o suficiente para se comportar como uma pessoa adulta.
Pessoas adultas & maduras psicologicamente convivem satisfatoriamente com a critica. Sociedade liberais e avançadas não temem a exposição de seus problemas e a sua discussão, seja em entrevistas em telejornais, peças de teatro ou filmes. Podemos avaliar o grau de liberdade de um país pela capacidade que tem de rir de si mesmo, de se autocriticar, e se modificar com isso.
As empresas tomaram a dianteira em usar este conceito de liberdade critica. Na Microsoft não existem punições por erros, mas reuniões de crítica e analise do que teria causado este erro. Talvez seja até mais trabalhoso fazer uma reunião em vez de uma admoestação, mas com certeza é mais lucrativo, para a empresa e para os funcionários. E claro, para os negócios.
Existem duas coisas que são previsíveis na visa de qualquer ser humano: o erro e a morte.
A morte, em si, nada nos ensina, mas o erro, este pode e deve ser instrumento de aperfeiçoamento, não de culpa ou de punição.
Ninguém sabe tudo e, voltando ao exemplo anterior, quando um pai critica um filho o faz por carinho e por amor. Ninguém se preocupa com quem não ama. Ninguém procura corrigir aquilo ou aquele por quem não tem interesse. Quem ama, cuida; e orientar, analisar falhas e aconselhar procedimentos de correção e melhoria faz parte deste cuidar.
Pensei nestas coisas quando ouvi o trecho do comentário de Miriam Leitão, em epígrafe.
Trocando os nomes e as pessoas era exatamente aquilo que eu queria dizer.



[1] Dicionário Houaiss da língua portuguesa, Ed Objetiva, 2009, 1a edição, pág.575

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