por Mario Sales
Acabei de rever "Meu Amigo Harvey", um filme de
1950, com James Stewart, em preto e branco, dirigido por Henry Koster. O filme
é baseado na peça de Mary Chase, vencedora do prêmio Pulitzer. Existem cópias
em DVD na Saraiva e em Blueray na Cultura, via internet.
A história é simples. Após o enterro da mãe, talvez por causa disso, Elwood P. Dowd volta para casa modificado. Alega ter ao seu lado permanentemente um coelho de 1,90m, invisível para todos menos para ele, chamado Harvey, com o qual se relaciona, conversa e frequenta, para divertimento de todos que já o conhecem, um bar chamado Bar do Charlie.
Henry Koster
A história é simples. Após o enterro da mãe, talvez por causa disso, Elwood P. Dowd volta para casa modificado. Alega ter ao seu lado permanentemente um coelho de 1,90m, invisível para todos menos para ele, chamado Harvey, com o qual se relaciona, conversa e frequenta, para divertimento de todos que já o conhecem, um bar chamado Bar do Charlie.
Elwood P. Dowd é um homem pacato, gentil, educado, que
encarna perfeitamente a frase do Bhagavad Gita que diz que o homem iluminado
não vê diferença entre o bhrâmane, o elefante, o cachorro e o comedor de cachorro
(pária).
A todos que conhece ou encontra, mesmo que estranhos, trata
com delicadeza e oferece polidamente seu cartão e sistematicamente convida-os
para cear em sua casa, de uma forma sincera e direta, não um convite formal,
mas um convite real, que sempre que é recusado em função de uma impossibilidade
de momento pelo interlocutor recebe o questionamento : "Quando
então?" demonstrando real interesse em receber o convidado.
No decorrer da história esta é a dúvida: uma crença
inofensiva e que faz de alguém uma pessoa melhor pode ser tratada como um
problema ou deve ser entendida com uma bênção, um toque do alto, que transforma
pessoas comuns, não em loucos mas em seres incomuns?
O filme é um elogio ao sonho e ao delírio, à capacidade de
sonhar e ao direito de conviver com este sonho, desde que ele sustente uma
atitude positiva em relação ao mundo e às pessoas. É também uma crítica sutil e
mordaz da sanidade entendida como a "normalidade", ou normose, como
Hermógenes gosta de chamar, os parâmetros que fazem tábula rasa de todos os
seres, independente de suas origens e características culturais e
antropológicas.
Todos somos diferentes. E o delírio pode ser apenas isso,
uma forma de manifestação peculiar, não uma patologia, não algo a ser tratado
ou suprimido, mas algo a ser contemplado e avaliado no seu potencial de causar
lucro ou prejuízo ao seu protagonista.
Existem relatos de delirantes fundamentais na história da Humanidade. Muitos
diziam ouvir a voz de Deus, outros ouviam música em suas cabeças muito, muito antes
dos aparelhos portáteis que todos carregam hoje em dia.
Moisés conversou com uma sarça ardente, contou ao seu povo,
e nem por isso foi internado. A guerreira mais corajosa de França era uma
mulher que ouvia vozes.
Sem comentar Van Gogh, Santa Teresa Dávila, ou São Francisco
que abandona uma posição social nobre e opulenta para despir-se totalmente de suas roupas em plena Assis
e partir para uma vida de entrega aos necessitados e aos animais, nossos irmãos
em Cristo, segundo ele.
Loucos? Ou seres peculiares?
Será que esta peculiaridade, esta diferença em relação aos padrões
de uma normalidade triste, medíocre, cinzenta, é realmente uma patologia?
Ah, não me entendam mal, existe a doença, a Loucura
Violenta, agressiva a terceiros ou ao próprio doente, uma loucura que traz
sofrimento, embaraço, angústia.
Estes são casos para a medicina, para os psiquiatras, para
os que trabalham para dar condições de vida mais digna à todos aqueles que dela
precisam.
Nem todos que vêem o Invisível , entretanto, nem todos os
peculiares, os estranhos e singulares, os que tem seus pés apoiados entre dois
mundos, precisam da intervenção dita terapêutica.
Crenças podem ser a base de todo Mal, de superstições e fantasias
as mais prejudiciais; da mesma maneira, são as crenças de um ser humano que o
sustentam, são suas convicções em relação a natureza do mundo, suas posturas
filosóficas, feitas apenas de ventos e sombras, que dão solidez e coragem aos
seus dias e às suas escolhas.
A objetividade é um remédio contra o obscurantismo, o
empirismo fundamenta nossas decisões e nos dá uma ciência útil e produtiva. Mas
sem o sonho, sem a imaginação, sem a peculiaridade dos gênios da ciência, da
arte e da fé, jamais chegaríamos aonde chegamos.
Se para se ter uma fogueira necessitamos de toras de madeira
densas, palpáveis e inflamáveis, sem o fogo que as consome jamais a acenderíamos, jamais desfrutaríamos de seu
calor.
Abençoados os que crêem, pois eles verão a face de Deus.
Abençoados os loucos do bem, que transcenderam esta triste "normose"
do objetivo e do palpável e que conseguiram
ver além do que está diante de seus olhos.
É um filme didático para os místicos.
Vejam o filme. Entenderão de uma maneira artística tudo que
tentei dizer.
Vida simples... Isso não quer dizer sem conforto...
ResponderExcluirMas a felicidade está em cada pequena ação que fazemos...