por Mario Sales, FRC, SI, CRC
Este tema é polêmico. Vamos discutir a mídia , a mesma mídia
que nos fornece nossas informações do dia a dia. Muitos, apressadamente,
defenderão a tese de que a janela não deve ser culpada pela paisagem.
Fato. Realmente, ao abrirmos uma janela, vemos o que temos
para ver, aquilo que se descortina a nossa frente.
Mas, e se a paisagem a nossa frente fosse projetada como um
filme em uma parede, (como na propaganda da televisão da LG abaixo, que por
coincidência fala de uma falsa janela feita de uma televisão), para parecer uma
paisagem sem ser, um filme composto de cenas reais, coisas e eventos que
realmente ocorreram, mas que foram selecionadas entre dois tipos, aquelas que
são agradáveis e positivas e as que são desagradáveis e carregadas de apelo
emocional, e as do segundo tipo fossem eleitas como as que mais impacto podem
ter naquele que acabou de abrir a sua janela? E, portanto, serão privilegiadas
e projetadas o triplo de vezes do que as do outro tipo?
A sensação de quem abriu a janela é de que as imagens que
vê, e que, repito, refletem situações reais do cotidiano, são em maior número,
e que portanto, existem muito mais situações desagradáveis e, emocionalmente,
de modo negativo, impactantes, do que as de caráter positivo e agradáveis.
É isto que a mídia moderna e a antiga fazem.
Fato já sabido, os escritórios de grandes cadeias de TV e
Jornais em todo mundo buscam conseguir audiência e telespectadores para suas
empresas, de forma a ter mais pessoas assistindo o seu canal e assim, poder
veicular com sucesso e retorno financeiro para outras empresas os produtos
propagandeados nos intervalos entre as reportagens de duas tragédias.
Ninguém vende automóveis ou sabonetes se o público não vir o
seu produto, apresentado com glamour e requinte.
E para que o público veja seu produto, é necessário que ele
seja atraído a um determinado ambiente virtual, televisivo, que prenda sua
atenção o tempo suficiente para que a mensagem publicitária seja vista e
assimilada.
Prender a atenção do leitor e telespectador ou ouvinte, no
caso do radio, é o esforço e a missão de todos os veículos de comunicação, em
toda a parte, em todo o mundo.
Cada jornal, cada estação de TV é uma janela para o mundo,
mas uma janela que, entre passar imagens pretas e brancas, seleciona as pretas
e as privilegia, pois estas tem mais apelo ao seu telespectador. As brancas são
polvilhadas, como farinha de trigo, sobre uma superfície de cor forte, apenas
para dar destaque a cor que está por baixo.
O bem não faz sucesso e é ruim de propaganda. Não atrai a
atenção por muito tempo. As empresas de mídia sabem disso e dão ao público
aquilo que o público quer ver, reforçando este estereótipo, no que se
convencionou chamar em psicologia comportamental de reforço positivo, um
estímulo que mantém em looping determinada concepção, de tal forma que, para o
contemplador, a realidade é daquele jeito,não 50% a 50% entre os dois polos da
realidade, mas 80 a 90% preta e só 10 % branca.
A janela da mídia não é uma janela ingênua ou neutra, mas
tem um critério de exibição.
Eu não discuto aqui os aspectos políticos ou éticos do
assunto. Este tema ficaria melhor em outras mãos.Eu discuto os aspectos míticos
e comportamentais.
Como construir uma sociedade maior se eu dou a impressão a
esta sociedade de que ela é do modo que supõe ser e, partindo deste critério,
repetidas vezes apresento a ela mais do mesmo?
Com é possível acelerar a mudança de compreensão do mundo se
a mídia treina os corações e mentes para crer em valores que necessariamente
não nos edificam nem nos enobrecem?
Como refinar a sensibilidade se a oferta cultural, embora
múltipla e variada, privilegia as zonas de conforto estéticas, aonde o banal e
o pouco elaborado é consagrado e o mais refinado é encarado com desinteresse?
Programas de música erudita, ou sobre filosofia e ciência
não venderiam sabonetes e automóveis tão bem quanto os que discutem a vida
sexual das celebridades ou os últimos escândalos políticos, portanto tem muito
menos chance de serem financiados pela indústria de automóveis ou a de
sabonetes. Sem verba, não há como pagar as engrenagens da mídia e portanto,
projetos eminentemente elevados cuiltural e eticamente são financeiramente
inviáveis.
Daí a profusão de programas medíocres e de conteúdos nas
matérias de jornais que atendem o pensamento de que quanto pior, melhor, e que
multiplicar os estímulos de baixa qualidade abre espaço para financiar pequenos
nichos de qualidade.
Televisão e jornais são negócios e considerando a lógica do
mercado, seu comportamento é perfeitamente coerente com as bases desse sistema.
O problema é que, na outra ponta, aquela dos que consomem
estes conteúdos medíocres, fica a sensação de que o mundo é medíocre e violento
e que não existe mais espaço para o bem ou para a arte e a beleza.
Pessoas cultas e diferenciadas sabem que não é assim, mas
estas, por definição, não são a maioria.
Crêem em tudo que lêem e assistem, sem lançar sobre as
informações o pensamento crítico necessário a depuração daquilo que está sendo
mostrado ou afirmado.
O método científico, o ceticismo metodológico de Renée
Descartes[1],
deveria ser um hábito cultivado pela educação, ao contrário dos métodos
pedagógicos que privilegiam a repetição de informações inúteis do ponto de
vista prático para o resto da vida futura daquele aluno.
Sem pensamento crítico, sem capacidade para recusar
mentalmente como fato algo que não passa de um suposição ou crença, estamos à
mercê do comportamento que eu chamo de "Síndrome de Garfield", o
personagem dos quadrinhos de Jim Davies, que sempre comenta que "já que deu
na televisão, deve ser verdade".
Se a TV e os jornais disserem que o mundo é majoritariamente
mau e formado por pessoas na maioria ruins, violentas e desonestas, e que os
acontecimentos em sua grande maioria, são trágicos e tristes, uma mente
desavisada e despreparada criticamente concluirá, pelos efeitos da
"Síndrome de Garfield" de que as coisas são assim.
Este raciocínio leva a outro problema, a liberdade de
expressão. Qualquer movimento que procure mudar as bases e os critérios de
trabalho dos meios de comunicação será atacado por duas razões: primeiro e mais
importante, porque afetará o mercado de automóveis e sabonetes e cervejas ou
que quer que o mercado queira vender, e isto, considerando a base de nossa
civilização, é impensável e, segundo, que para defender este nicho de atuação,
a simples discussão deste tema será tachada de censura prévia, ou uma tentativa
de impedir que notícias, ditas "relevantes" sejam passadas a
população.
Sim, censura, como se o mercado não censurasse tudo aquilo
que não ajuda a vender sabonetes. Mas esta discussão é muito sutil e delicada e
será facilmente distorcida para a compreensão de que o objetivo daqueles que
querem transformar a janela em algo transparente e não em uma janela coberta
com uma tela vermelha-sangue ou marrom-escura, estão na verdade, querendo
bloquear o acesso à janela.
Um debate isento é, pois, impossível e não vai funcionar. As
relações entre interesses de mercado e critérios para veiculação de matérias
dos meios de comunicação são demasiadamente intrincadas e invisíveis aos olhos
menos treinados, portanto fáceis de serem ocultadas da análise da situação.
Todos sabemos, como na "assembleia dos ratos", de Esopo[2],
que é preciso colocar o guizo no pescoço do gato. Só não sabemos quem o fará ou
como fazê-lo.
Esopo
É uma discussão sobre critérios. Como decidir o que é branco
e o que é preto, qual notícia reflete o mundo do bem e qual o mundo do mal?
Ocultar as coisas ruins seria melhor que ocultar as coisas boas? Como decidir o
que é de alto nível e o que é de baixo nível cultural?
Mais: quem fará esta separação? Baseado em que critérios?
Estaremos apenas trocando um grupo de selecionadores por outro?
Não há, a meu ver, solução a curto prazo. Parafraseando a
opinião de Aldous Huxley, exposta em uma entrevista gravada há 60 anos atrás e
cuja reprodução está aqui no blog, a única solução é mudar as pessoas pela
educação. Não mudar a TV ou os jornais ou o comportamento da mídia em geral,
mas mudar o telespectador, o leitor, o ouvinte. O homem é passível de mudança e
a sociedade é apenas um construto produzido pela soma de várias pessoas com
diferentes personalidades. Melhorando o nível cultural das pessoas,
melhoraremos sua capacidade crítica e a impressão, hoje difundida, de que
estamos em um mundo apenas de dor e desolação e que não existem iniciativas de
bondade e misericórdia em lugar algum, desaparecerá pouco a pouco, independente
de toda o esforço que possa fazer para permanecer uma verdade indiscutível.
A Educação é o único remédio para a "Síndrome de
Garfield", esta doença terrível que atinge e destrói a fé na humanidade e
nas possibilidades de mudança do status-quo.
[1] O ceticismo metodológico foi desenvolvido por René Descartes e consiste em duvidar de todos os conhecimentos que não sejam irredutivelmente evidentes. Segundo Descartes, tudo aquilo que não for completamente evidente e tudo aquilo que já nos tenha enganado no passado não pode ser considerado conhecimento verdadeiro. Por isso, a primeira regra do seu método defendia que nunca devemos "aceitar como verdadeira alguma coisa sem a conhecer evidentemente como tal: isto é, 'evitar cuidadosamente a precipitação e o preconceito; não incluir nos nossos juízos senão o que se apresentasse tão clara e tão distintamente ao nosso espírito que não tivéssemos nenhuma ocasião para o pôr em dúvida'." (Discurso do Método, Segunda parte).(fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ceticismo_metodol%C3%B3gico)
[2] Esopo (em grego Αἴσωπος, transl. Aisōpos) foi um escritor da Grécia Antiga a quem são atribuídas váriasfábulas populares. A ele se atribui a paternidade da fábula como gênero literário. Malgrado sua existência permaneça em dada medida incerta e pouco se saiba quanto à origem de várias de suas obras, seus contos se disseminaram em muitas línguas pela tradição oral. Em muitos de seus escritos, os animais falam e têm características humanas. As fábulas de Esopo serviram como base para recriações de outros escritores ao longo dos séculos, comoFedro e La Fontaine. O fabulista grego teria nascido no final do século VII a.C. ou no início do século VI a.C. . O local de seu nascimento é incerto. Heráclides do Ponto na obra Acerca dos Samios, afirmava que Esopo nascera na Trácia . Certo é que morreu em Delfos, tendo sido executado injustamente, segundo descreve Heródoto (Histórias, II, 134) e o Suda. (fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Esopo)
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