por Mario Sales, FRC, SI,CRC
Todos que me conhecem sabem que separo, para finalidades
didáticas, as práticas herméticas em três partes: esotérica, ocultista e
mística. Nesta perspectiva, misticismo, seja em que tradição se fundamente,
refere-se a busca do divino e a tentativa através de orações, preces e êxtases
conseguidos pela meditação de fundir-se ao Todo Poderoso; Ocultismo ao conjunto
de práticas chamadas mágicas ( coisas da terra) ou teúrgicas (coisas do céu,
leia-se Anjos), cuja finalidade é a intervenção na realidade modificando-a de
forma a atender a nossa vontade e intenções; e por último, o Esoterismo, que se
dedica ao estudo de textos sagrados e herméticos, narrando aspectos de culturas
e civilizações as mais variadas geralmente do passado distante, estudo dos
símbolos propositadamente velados dos tempos do iluminismo, ou seja uma
atividade sigilosa e intelectual, caracterizada pelo segredo.
Nesta ótica, mesmo que um grupo possua dentro de sua estrutura estes
três aspectos, é fácil entender que existam algumas Ordens que sejam mais
místicas, outras mais Ocultistas e outras, essencialmente, Esotéricas.
Como exemplo, dizemos que a Ordem Maçônica é moderadamente Esotérica,
pouco Ocultista e nada Mística; o Martinismo de Papus muito esotérico, com
pretensões Ocultista e moderadamente Místico; o Martinezismo dos Ellus Cohen
muito Ocultista, muito Esotérico e , a meu ver, moderadamente Místico; e a Rosa
Cruz, muito Mística, e, em um período do séculos XIV ao XVIII muito Ocultista e
Esotérica; já no período pós Spencer Lewis, ainda altamente Mística, mas já
moderadamente Esotérica e quase nada Ocultista.
Portanto, dessa forma, desfazendo a aparente sinonímia entre
estes três termos, caracterizamos melhor a prática esotérica e podemos por
exemplo entender as mudanças históricas deste saber, o Esoterismo, que corre
nas veias da humanidade, entre Religião e Ciência, resistindo à passagem das
épocas e das eras no imaginário humano.
A tradição hebraica, a Cabalá, com tônica na última sílaba,
também pode se beneficiar dos efeitos didáticos desta classificação. Ela tem um
período protocabalístico, o misticismo Merkabah, a carruagem de Deus, como na
visão de Ezequiel, (cap 1 - vers.1,28) que foi interpretada como uma viagem,
indo e voltando através de sete palácios (hekhalot) de plenitude, sendo o
sétimo o mais elevado em realização e que permitiria o contato direto com Deus.
Ainda seguindo minha postulação acima, esta tradição é essencialmente Mística, algo
Esotérica e em nada Ocultista, pois não visa controle da realidade, mas o seu
próprio abandono ao mergulhar o praticante em um estado de êxtase, primeiro
parcial e depois definitivo.
Esta tradição dura entre os dois últimos séculos AC até o
século III DC, quando o Sepher Yetzirah vem a luz, já representando um esforço
de codificação das práticas místicas e iniciando a fase literária, esotérica e
interpretativa, da Cabalá. Nesta época, lembramos, a palavra Cabalá ainda não
era usada, sendo datada de um período em torno do século XII, graças a
enunciação de Isaac, o Cego.
De toda forma, o surgimento de um texto , o Sepher Yetzirah,
em alguma data entre o séc. II e o séc.VI da era cristã, marca o início de um
misticismo baseado em um material escrito, entre os judeus, o que eu costumo
chamar esoterismo literário.
Como todos já sabem, a história da Cabalá avança com a
publicação, em torno do século XII, do Sepher Bahir, o livro da Iluminação,
atribuído a Isaac, o Cego, e , em seguida, do Sepher Zohar, no século XIII, uma
extensa narrativa das andanças do Rabi Shimon Bar Yochai, no século II,
publicada e provavelmente compilada por Moshe (Moisés) de León (Moshe bem
Shen-Tov). Digo compilada porque o Zohar não é um livro, mas, a exemplo da
própria Bíblia, um conjunto de livros.
Isto não significa que a história da Cabalá seja linear.
Estes três livros são fundamentais para estudar Cabalá mas o conjunto de
conhecimento deste saber ainda não é totalmente mapeado, estando disperso em
manuscritos espalhados por bibliotecas, em Tel Aviv e nos EUA.
Como todo saber, embora como teóricos nos sentiríamos mais
acomodados com uma história monodirecionada, capaz de ser açambarcada por um
único título, Cabalá é um conjunto de temas e práticas que poderia se dizer,
tem um núcleo duro, seus textos de referência, e uma periferia mais instável,
que são estes manuscritos ainda não traduzidos e de trabalhosa consulta.
Temos, juntamente com os Sepher Yetzirah, Bhair e Zohar,
entre os textos do chamado núcleo duro, o Sepher Raza Rabba, ou "Livro do
Grande Mistério", comentado brevemente entre martinistas modernos, mas não
estudado, nem disponível em português, aonde estão descritos estudos de angelologia
e demonologia, conhecimentos ligados a Teurgia.
Vemos, assim, que a Unidade tão preconizada em todos os
textos místicos, jamais é encontrada no dia a dia. Ela é mais uma ligação
aparente, mas invisível, entre um sem número de elementos diferentes. Assim
acontece com o Cabalá. Cada momento que produz um texto (seja o Yetzirah, seja
o Bahir, seja uma compilação extensa como o Zohar) remete a um período da
história e a um contexto geográfico diferente.
É oportuno lembrar que tanto quanto a cultura rosacruciana
que começa no Egito Antigo, mas se enriquece ao longo dos séculos com a
contribuição de tradições de diferentes partes do planeta, a cultura judaica e
suas chamadas tradições são também um somatório de conceitos e idéias colhidas
ao longo de seu movimento como nação nômade ou escravizada por diferentes
povos. É da Babilônia que vem o conceito de Anjos, mensageiros de Deus; é do
Egito que vem o conceito de Shekinah, a "Presença Divina", cultuada
em templos rosacruzes, mas também descrita no Sepher Ha Bahir, do século XII, o
segundo livro da bibliografia básica cabalista.
Portanto, falar de uma tradição eminentemente judaica quanto
ao Cabala é uma impropriedade, como aliás também para qualquer tradição mística
ou religiosa.
A visão destas contribuições e a forma que elas recebem,
essa sim é genuinamente judaica e adaptada a realidade do povo judeu.
O que quero dizer é que dentro da evolução do pensamento
cabalístico, (desde os movimentos místicos da Tradição Mercabah, da Carruagem,
até Isaac Luria, morto precocemente aos 38 anos, conhecido como o Leão, em
Safed, formulador da moderna concepção do Cabalá, e seu compilador, Hayim
Vital, que escreve o "Ets Hayim", ou "Árvore da Vida" , transformando
em um texto todos os ensinamentos apenas orais de Luria) muitos movimentos
internos ocorreram e muitas leituras foram feitas da mesma tradição.
E estas leituras, essas escolas, não foram necessariamente
conflitantes, porém cumulativas e geraram o que hoje se chama de o Corpo
Teórico da tradição Calística.
Dessa forma entendemos que o que hoje chamamos de Cabalá não
é um sistema que nasceu pronto, mas que foi construído ao longo de séculos,
compilando e concentrando contribuições de diversas culturas e tecendo as
vestes de um conhecimento atualmente entendido como originalmente judaico.
Considerando isso, não passou de um equívoco absurdo supor
que impunemente, alguém de outra tradição, a tradição cristã, como Pico Della
Mirandola, pudesse tentar fazer uma síntese entre o pensamento cabalístico e a
religião de Roma. Por vários motivos.
Primeiro: uma síntese é a fusão de duas partes definidas. A
Cabalá da época de Pico ainda era um processo em andamento. As maravilhosas
contribuições conceituais de Luria, retratadas nos textos de Hayyim ben Joseph
Vital, não tinham sido publicadas. Pico Della Mirandola morre aos 31 anos, em
1494. Luria nasce em Jerusalém em 1534, de forma que Pico não teve acesso a
suas contribuições.
É Luria com sua genialidade de síntese conceitual que
enriquece e define contornos internacionalmente palatáveis para a Cabalá. Antes
dele, a Cabalá era muito mais obscura e esotérica e tudo que é muito esotérico
permite interpretações equivocadas e imprecisas.
Criar uma nova visão da Cabalá, de cunho cristão, é não só
um contrasenso teórico, mas, antes de qualquer coisa, uma perversão do sentido
primitivo desta tradição.
Pois a Cabalá, embora contenha em suas reflexões a mesma
ânsia pelo divino presente em místicos Hindus, Egípcios e mesmo Árabes, tem uma
assinatura própria da história de sofrimento e êxodo que só o povo judaico
conheceu. E para o judeu, em função desta perseguição, das muitas ameaças de
extermínio que conheceu, manter-se como nação foi uma forma de preservar a
própria sanidade, e para tal a contribuição da tradição religiosa e mística
foram fundamentais.
Pico tinha outras intenções com sua segunda versão da
Cabalá, travestida em um conjunto de valores do cristianismo. Se para o judeu,
a Tradição existia para fortalecer o Judaísmo, para Pico, Cabalá seria uma
forma de enfraquecê-lo e mostrar o quanto o cristianismo era superior.
E isto em si é um absurdo. O que explica que, embora fosse
cultuado como homem culto e letrado, na verdade carecia de discernimento
intelectual e era muito mais levado por um intelectualismo engajado a favor de
um catolicismo cristão do que uma visão capaz de perceber as profundas
implicações histórico culturais da prática e da teoria da Cabalá.
Sua força vem do fato de ser um autor profícuo. Na maioria
das vêzes, quem escreve muito, não importa sobre o que ou a qualidade de seu
argumento, é respeitado como grande erudito. As letras eram prerrogativas de
poucos naquela época e a erudição de muito menos gente ainda. O tamanho de seu
trabalho, embora amálgama imperfeito, combinando em um mesmo bloco o ferro, o
zinco e o ouro, digamos assim, influenciou o pensamento de muitos. Seu mestre,
Marsilio Ficino, (operoso tradutor, que trouxe, em um esforço intelectual
meritório, a luz do Latim, que era o inglês daquela época, textos que muitos
não poderiam ler em outras circunstancias), tem a seu favor o fato de que jamais
fez qualquer juízo de valor sobre os
textos que popularizava.
Já Pico della Mirandola, num arroubo de vaidade, supôs que
poderia usar uma tradição como o Cabalá para finalidades político religiosas.
Por isto este saco de gatos, esta salada teórica que tudo aceita e tudo
distorce, a chamada Cabala Cristã, a segunda cabala, digamos assim, que não
contribui para o entendimento dos conceitos teóricos mais importantes do
cabalismo.
Embora exista um aspecto da Cabalá Judaica que é prático,
operacional, e encerra técnicas de invocação e ação teúrgica sobre a realidade,
a Cabala Cristã tem desde o nascedouro um forte cunho essencialmente magista.
Ao cabalista cristão interessa o poder, não o saber. Ele considera a Magia uma
forma de alcançar este poder e um poder em si. E assim esta compreensão prevalecerá
e durará por séculos, ganhando força inusitada no século XVIII e só
desaparecendo sob a contracorrente do pensamento positivista de Conte no final
do século XIX.
A Magia é também uma ferramenta de intervenção no real e na
ausência de tecnologia, ela assume este papel com mérito. Uma afirmação de
Cornelius Agrippa o papel da Magia como substituta naquela época do que hoje
chamamos ciência:
"...aliás ensina a natureza das coisas que estão no mundo,
explorando e investigando suas causas, efeitos, tempos, lugares,maneiras,eventos,
o todo e as partes, e também: o número e a natureza dessas coisas chamadas
elementos; o que o Fogo, a Terra e o Ar geram ; de onde se originaram os
firmamentos; de onde vem a maré, de onde vem o arco íris vestido de cores
alegres; o que faz as nuvens reunidas ficarem negras para enviar relâmpagos e
produzir trovões; o que gera as chamas da noite e cria os cometas; o que faz a
Terra tão firme e , de repente, tão trêmula; qual é a semente dos metais e do
ouro; que virtudes, riquezas, se guardam no cofre da natureza."
Alguns alegarão que nada há de errado em buscar-se poder
sobre as coisas sempre tão instáveis da natureza, ou seja, conseguir alguma
previsibilidade sobre nosso destino e sobre os acontecimentos que atingem os
seres humanos individualmente e a sociedade humana como um todo.
Não é isso que a Ciência contemporânea faz? Ela não nos dá
algum grau de previsibilidade e até elementos de defesa contra as
intercorrências naturais? Ela não nos auxilia nas variações do clima, no saciar
da fome e na luta contra as doenças?
Sim, é fato, mas é preciso lembrar que ao se tornar
Cabalista, um judeu jamais separava o conhecimento que conseguia da necessária
busca do divino em sua vida pessoal e na vida da comunidade. Ao contrário, a
Magia como ferramenta de intervenção, tornaria o Mago senhor da criação,
rivalizando até, para mentes menos evoluídas, com o próprio Deus.
Cabala, para o Judeu era um mergulho no Divino; Cabala
Cristão era um mergulho no Ocultismo e trazia consigo os riscos do orgulho e da
vaidade. O mesmo risco que traz a Ciência Contemporânea aos seus praticantes,
em princípio uma área que segundo alguns prescinde da hipótese de um Deus, como
se Deus fosse apenas isto, uma hipótese intelectual. Cabalistas Judeus são
místicos; cabalistas cristãos, são ocultistas e esoteristas, com todas as implicações
e diferenças sobre as quais já teci considerações em ensaio anterior.
A segunda Cabala, portanto, é a Cabala anti judaica, a que
tem como princípio mostrar a superioridade do Cristianismo sobre quaisquer
outras compreensões de Deus. É a Cabala da busca do poder sobre o Céu e a
Terra, mas não necessariamente na busca de uma autocompreensão maior, mas sim
de uma capacidade de intervenção maior nesta mesma realidade. Aqui já se vêem o
surgimento da atitude típica do Ocidente sobre a Natureza, da busca do controle
sobre Tudo o que Existe e não da harmonia com este mesmo Todo. Seguem o
pensamento de Pico della Mirandola , Johannes Reuchlin, Paolo Ricius, Baltashar
Walter, Athanasius Kircherus, Raimundo Lúlio, Guilherme Postel, Christian Knorr
Von Rosenroth, Johan Kemper, Heirich Cornelius Agrippa, Johanes Valentin
Andrea, Giordano Bruno, Robert Flud, e outros.
Esta segunda Cabala já foi também chamada de Cabala da
Renascença e como a renascença foi a época da redescoberta do Homem como foco
da Criação, como uma reação à Contra Reforma e à Inquisição e ao totalitarismo
do pensamento de Roma, entende-se também porque esta ênfase em trazer para as
mãos do homem o fogo dos céus, numa manifestação da Síndrome de Prometeu.
O avanço dos anos faz com que o Ocultismo também ampliasse sua
influência, sempre no sentido de ocupar um lugar que hoje seria o da Ciência
Ortodoxa.
Em vez de Astronomia, Astrologia; em vez de química,
Alquimia; em vez de Medicina, herbologia e emplastros, sangrias e sangue sugas.
Sim, desde os quinhentos a razão avança, paripasso com a superstição, com
Descartes, Galileu, Copérnico e Newton. Mas é importante dizer que não de forma
antagônica, mas de mãos dadas pois Ocultismo era "O Conhecimento"
naquela época e andava de mãos dadas com o conhecimento científico, de tal
forma que aqueles que se dedicassem a um poderiam ser encontrados dedicando-se
ao outro, como é o caso do próprio Isaac Newton, matemático, físico e rosacruz.
Por isso, embora estas práticas ocultistas pareçam ecos de um passado bárbaro,
são apenas os primeiros passos de um diálogo com a natureza que ainda buscava a
linguagem adequada. No seio de um conhecimento supersticioso e mágico, já crescia
a semente do empirismo e da prática científica. A árvore mesma só seria visível
bem mais tarde.
Antes, haveria um último suspiro destes exercícios mágicos
que caracterizaram estes quatro séculos, do XV ao XIX. O pensamento empirista e
positivista já se aproximava quando, ao final do século XIX começaram a surgir
obras que buscava a síntese definitiva da Magia e do Cabala. Por essa época não
existia mais nenhuma intenção de doutrinar o povo judeu, a igreja já tinha
perdido sua antiga força militar, e assim, o poder político havia sido
pulverizado entre dezenas de nações.
É em 1810 que vem ao mundo o maior esoterista do século XIX,
Alphonse Louis Constant, mais conhecido pelo codinome de Eliphas Levy. Como
Pico della Mirandola foi o criador da segunda Cabala, aqui temos o criador da
terceira Cabala, a Cabala Hermética.
É em seus muitos livros que Eliphas vai construir a
estrutura e o esqueleto de sua linha de interpretação dos mistérios
cabalísticos. Ex seminarista, culto, filólogo, Eliphas usa sua erudição para
produzir vasta bibliografia. Dogma e Ritual da Alta Magia, História da Magia, A
Chave dos Grandes Mistérios, A Ciência dos Espíritos, As Origens da Cabala, Os
Mistérios da Cabala, Curso de Filosofia Oculta, Fábulas e Símbolos, O Livro dos
Sábios , O Grande Arcano, Os paradoxos da Sabedoria Oculta, O Livro das
Lágrimas ou Cristo Consolador.
Obras que alimentaram o pensamento e o imaginário de muitos
e importantes intelectuais franceses como ele; França, que na sua época era a
biblioteca do mundo. Foram admiradores e seguidores de Eliphas Levy, Papus e
Stanislas de Guaita, dois dos mais importantes e influentes esoteristas
franceses do início do século. Também Saint-Yves de Alveydre.
Sua intenção sempre foi a investigação das possíveis
conexões entre a Magia Judaica e a Magia proveniente de outras tradições, a
Babilonica, a Egípcia, a rosacruciana. Foi amigo e colaborador de Bulwer
Litton, autor de "Zanoni". Embora estivesse envolvido com magia e
hermetismo, não tinha ambições pessoais, mas sim culturais. Era um homem tocado
verdadeiramente pela sensibilidade religiosa mas, embora formado em ambiente
ortodoxo católico, o paganismo estava nele de modo intenso, e as tradições do
druidas, as invocações medievais e em latim, a espada cerimonial (que depois
seria herança material de Papus) eram artefatos que o acompanhavam. Estudar
Cabala, conhecida como Magia Judaica, era inevitável. E ele o fez. Talvez mais
do que Pico della Mirandola tenha entendido a ligação entre esoterismo,
ocultismo e misticismo. É dele a vinculação entre as letras hebraicas e letras
hebraicas, consideradas símbolos poderosos de Magia. Como filólogo, viu
relações entre a tradição dos 22 Arcanos Maiores(exatamente como são 22 as letras
hebraicas) e Menores (que são 10 com quatro naipes, da mesma forma que são 10
sephirot e quatro os mundos ao longo da Árvore da Vida), descrevendo esta
relação pela primeira vez em Dogma e Ritual da Alta Magia.
E foi a partir disso que estabeleceu-se que tal relação era
real e sólida, quando na verdade é produto de suas elaborações pessoais e
inspiração solitária. Ele era o mestre, ele era a Luz Maior do movimento, ele
era o iniciador. Pelo menos, era tanto um Ocultista quanto um Místico. E
pode-se dizer que, embora gentio e não judeu, conseguiu recuperar o caráter de
busca do divino e desta intimidade mágica entre o ocultista judeu e Deus, agora
em uma versão não judaica.
Justiça seja feita, nem todos os seguidores da segunda
cabala foram ortodoxos e leais a visão de Pico della Mirandola. Raimund Andrea,
praticante de Cabala Cristã, era rosacruz e um dos autores do Fama
Fraternitatis. Era também membro do movimento protestante e profundamente
religioso. É claro que esta formação temente a Deus e austera deve ter tido
alguma influência sobre seus estudos de Cabala, e deve, da mesma maneira ter
sido um critério a mais na absorção deste conhecimento. Antes dos movimentos
existem os homens que deles participam.
E se nem todos os judeus Cabalistas pensavam da mesma forma,
e mesmo dentro da comunidade judaica os Cabalistas eram e são considerados seres
diferenciados espiritualmente, da mesma forma entre estudiosos de cabala cristã
encontraremos homens justos e serenos, que antes de Eliphas Levy, buscaram a
experiência Mística e divina no Ocultismo e no Esoterismo.
A terceira Cabala não vai falar de Tzin Tzum ou de Tikun
Olam, conceitos caros aos Cabalistas Lurianos, mas vai falar da força das
letras hebraicas e das sephirot, os 32 caminhos que já tinham sido descritos no
início do Sepher Yetzirah, pouco depois do século II da era cristã. Nesse
sentido, guardadas as devidas proporções, as Cabalas não judaicas, tanto a
segunda como a terceira, devem ser encaradas também como formas de popularizar
mundialmente este conhecimento maravilhoso, tal qual o Yoga Indiano que hoje é
parte do cotidiano de muitos ocidentais não hinduístas, ou mesmo as práticas
mântricas tibetanas.
São conhecimentos que somam e enriquecem os seres com
alternativas e estilos diferentes de busca do divino, abrindo portas e
alargando os horizontes espirituais não só de judeus, mas de toda a humanidade.