por Mario Sales, FRC,SI,CRC
Quando entrei na senda mística certos conceitos para mim
eram absolutamente indiscutíveis e os aceitei de modo dócil, sem
questionamento. O mais óbvio de todos estes conceitos foi o de necessidade de
sigilo quanto àquilo que eu ia estudar.
Ouvi e li várias declarações, nestes últimos 40 anos de
estudos esotéricos, sobre os perigos de se revelar ao chamado "mundo
profano" os conhecimentos que estavam sob nossa guarda, nós, os protetores
da sabedoria da tradição, a qual, pressupunha eu naquela época, este "resto
do mundo" queria desesperadamente descobrir, e
só não o fazia graças aos nossos esforços de resguardar estas informações atrás
de códigos, símbolos e procedimentos os mais variados.
Nos primeiros anos, achei que este precioso conhecimento
compunha-se de palavras mágicas as quais, quando pronunciadas, modificariam a
natureza da realidade de modo súbito e vantajoso.
Porém, fora um honroso exemplo, não foi isso que aprendi.
Depois, supus que certos poderes maravilhosos como a
projeção astral, a telepatia, a telecinese, depois de alguns anos estudando
nestas chamadas escolas de mistério, se tornariam parte integrante do meu
cotidiano, após um conjunto de treinamentos perfeitamente delineados, mas isto
também não ocorreu.
Achei então que se tratava de uma deficiência e uma
peculiaridade pessoais, e que devia existir alguém, em algum lugar, dentro
destas Ordens a que eu pertencia, que dominava estas artes, e que não eram
poucos os que o faziam. Apenas eu, era minha impressão, não conseguia.
Após anos e anos frequentando corpos afiliados e conversando
com outros membros como eu, percebi que, se algum deles tinha algum dom
extraordinário, proveniente de seus estudos esotéricos, este era restrito, de
manifestação esporádica, episódica, geralmente motivada por uma forte e
imperiosa necessidade pessoal.
Nada tão dramático que fizesse diferença em uma situação
cotidiana de maneira constante.
Os efeitos especiais que eu via em filmes de ficção nada
tinham a ver com o dia a dia da minha vida de esoterista, muito mais ligada a
leitura de textos os mais herméticos possíveis, a contemplar e tentar
interpretar símbolos que tinham sido feitos três séculos atrás para manter secretas,
informações importantes sobre o mundo dos iniciados.
Que informações eram estas eu nem sempre estava certo.
Na maioria das vêzes a interpretação destes símbolos me
trouxe interessantes noções acerca da natureza da vida, todas muito filosóficas
e, em nada, objetivas ou práticas, mostrando que a interpretação destes
símbolos não me revelaria poderes especiais quaisquer, mas apenas e tão somente
valores morais e éticos, demasiadamente genéricos para resultar em
consequências operacionais.
Talvez no passado, em que a opinião sempre valeu mais que a
experimentação, onde o cientista era mais um escritor que um pesquisador, informações
de cunho meramente conceituais fossem realmente interessantes e merecessem o
esforço de debruçar-se sobre elas dias e dias.
Hoje, pragmaticamente falando, não consigo identificar nada
de prático no estudo de conceitos morais e genéricos, e estudá-los para mim é
um deleite estético, acima de tudo algo que gosto de fazer, que me dá prazer
intelectual, mas nada, absolutamente nada além disto.
Não consigo ver nenhum ganho prático no estudo dos textos
esotéricos. Ninguém lê um texto de Martinez de Pasqually ou de Jacob Boheme
como se lê um manual de um sistema de som de um rádio do nosso automóvel.
Não se colhe de textos esotéricos informações realmente
aplicáveis ao cotidiano, apenas noções vagas da natureza de coisas (a maior
parte do tempo, senão todo ele) invisíveis aos nossos olhos comuns.
Estas considerações vem a mim enquanto a água do chuveiro
desce pelo meu corpo.
Penso: para que tanto mistério? O que escondemos e porque? Aliás, hoje
em dia, de quem escondemos o que supomos esconder?
Quem se interessa pelo que está escrito em livros antigos e
empoeirados? Estes mesmos livros, entretanto, continuam a ser reimpressos para
deleite de mentes que provavelmente os lêem sem compreender seu conteúdo, porém
sofrem de uma estranha doença intelectual que os faz fascinar-se pelo
incompreensível, pelo texto mais obscuro. Aliás, quanto mais incompreensíveis,
melhor.
Sim, existem pessoas que tem um estranho prazer em ler
coisas incompreensíveis .
Não é o meu caso, mas conheço muitos.
Deliciam-se em dizer que encontraram textos de significado "muito
profundo", tanto "que não conseguiram alcançá-lo" e ,
obviamente, são incapazes de explicar algo sobre o texto, terminando sempre com
a afirmação-explicação que tudo resolve e que toda crítica afasta:
"-Trata-se de um texto extremamente esotérico."
E em volta, ouve-se um "Ah!", de compreensão e
aceitação, que evita discussões ou interrogações indigestas pois, aparentemente,
não há entre estes estranhos e tão numerosos seres humanos nenhum interesse em
entender o que está escrito ali, em compreender verdadeiramente a mensagem que
estava sendo passada quando, quem escreveu o tal texto esotérico, o fez.
Porque se eu escrevo um bilhete, uma carta ou um livro,
minha intenção é descrever algo para alguém. Existem, portanto, três elementos
nesta equação: eu que escrevo ou descrevo uma idéia; o texto aonde faço esta
descrição; e, por último, a pessoa que, anos depois, lerá meu texto. Deduz-se
que, ao escrever o que escrevi, minha intenção era passar adiante uma informação
para aquele que me leria, horas, anos ou séculos depois.
Em suma, quem escreve quer revelar alguma coisa e não
ocultar.
Mesmo quem, sendo um esoterista, reveste seu texto de
aspectos simbólicos os mais variados, para protegê-lo que seja de olhos menos
dignos, não objetiva impedir a
compreensão daquilo que escreve com esta manobra, mas dificultar uma compreensão fácil, compreensão esta que , em
última análise, é a verdadeira intenção daquele texto.
Um texto esotérico é, mesmo sendo esotérico, um texto. Foi
feito por alguém, em alguma época, de forma a preservar e revelar, e não
esconder, determinada concepção de mundo, mesmo que seja uma concepção pouco
objetiva, de natureza mais filosófica, ou mais mística talvez.
Mas o texto foi feito pra ser compreendido, e se não o é,
mesmo que as chaves de compreensão sejam dadas, seja por dificuldades
interpretativas intransponíveis, seja pela barreira linguística, ele é , ao fim
e ao cabo, inútil para sua principal finalidade, qual seja, transmitir um
determinado conhecimento para outrem.
E além disso, a natureza deste conhecimento também interessa
na motivação de quem se dedicar a interpretá-lo e traduzi-lo para nossa visão e
compreensão contemporânea.
Concluir, depois de horas de leitura de um texto secreto,
que ele afirma, em síntese, que a Natureza de Deus é incompreensível,
convenhamos, não traz nenhuma informação retumbante ou prática.
Não seria nem necessário que esta verdade fosse disfarçada
em símbolos ou esoterizada.
A questão da Natureza de Deus não tem quaisquer implicações
práticas na vida cotidiana, seja do ateu, seja do crente. E é um tema cuja
importância já foi discutida milênios atrás com conclusões semelhantes a esta
que enunciei acima.
A escola Sankhya[1] já
enunciava o mesmo raciocínio desse modo: "Ishwar Avydia", ou seja
"Deus não se discute". Foi chamada de filosofia ateísta por causa
disto mas isto é um disparate. A única razão dos filósofos Sankhya não
demonstrarem vontade de discutir a Natureza de Deus era porque haviam chegado a
mesma conclusão que ora descrevemos, ou seja, para que eu preciso saber a
Natureza de Deus? Em que isto modificaria a minha
necessidade cotidiana de paz, saúde, pão e vinho?
Em nada. Pelo contrário, buscar compreender a Natureza de
Deus por mera curiosidade intelectual pode até roubar a paz de quem o faça, e
não trazer-lhe nenhum lucro pessoal e espiritual.
Existem temas que, do ponto de vista prático são inúteis.
Causam mais transtorno que deleite, e por isso, mais e mais
me intriga porque tanto segredo em torno de temas às vêzes tão bizantinos
quanto este acima, entre os esoteristas.
O mundo hoje está cada vez mais objetivo e pragmático. As
pessoas são "acusadas" de quererem "apenas" resultados
práticos de seus esforços intelectuais.
Aí eu me pergunto: o que há de pecaminoso nisso?
Porque a busca objetiva de resultados práticos, pode ou tem
que ser, contrária ao trabalho esotérico?
Ao estudar a história dos Ellus Cohen, suas práticas
teúrgicas que eles chamavam "O Culto", invocando um ser na época
entendido como um anjo, que se materializava durante a reunião, vejo aí
esforços práticos e palpáveis.
A sequência de jejuns e orações, os encantos e círculos que
eram traçados no solo, as invocações, tudo era parte de uma técnica que visava
abrir, segundo se conta, um portal interdimensional, e permitir que um ser de
natureza na maioria do tempo invisível, se tornasse visível, e uma vez
materializado, falasse com sua boca sobre verdades universais e espirituais, que
eram tomadas como revelações indiscutíveis da natureza do Universo, mesmo que
fossem um relato de apenas um ser, Anjo ou não.
Um esforço demasiado grande para um resultado pífio, embora
do ponto de vista circense espetacular.
Sim, buscava-se o espetáculo no passado e quanto mais
espetáculo mais profundo achava-se que se ia.
Hoje sabemos que não é assim. Hoje e ontem, pois era um
contemporâneo deste mesmo Pasqually que dizia:"-Será necessário tudo isto
para ver Deus?".
Até entre os místicos temos almas pragmáticas, que são mais
objetivas, que definem com mais clareza o que é e o que não é importante na
busca por uma mais perfeita espiritualidade.
O pouco, com Deus , é muito.
A experiência divina, a experiência da Presença Divina, a Shekinah, é
silenciosa e interna, intransmissível, inviolável, inquestionável para quem a
experimenta.
Não precisa ser escondida através de véus ou textos
rebuscados; ela é esotérica por sua própria natureza.
Então, porque os textos sobre a busca espiritual, os
chamados textos esotéricos, são tão esotéricos às vêzes?
Porque nossos textos estão há anos sendo lidos em segredo e
não sendo publicados como material de leitura comum?
Papus achava que se jogássemos nos rostos dos profanos os
chamados textos secretos, estes, após lerem algumas folhas, os deixariam de
lado, com desinteresse, pois não veriam nenhum sentido, nem extrairiam deles
qualquer significado ou ensinamento.
Mesmo textos que nada tem a ver com o sagrado e que por
definição são profanos, tem seu próprio esoterismo.
Sem uma explicação coadjuvante, chamada "chave" do
código em que estão redigidos, textos médicos, de física, de química molecular
são ininteligíveis, mesmo que em nada e por nada discutam temas metafísicos ou
espirituais.
Assim ocorre com textos esotérico-ocultistas.
Ninguém, a não ser alguns malucos como eu, tem qualquer
interesse em lê-los, quanto mais decifrá-los. E quando os lêem, o fazem com
tanta inépcia e ineficiência que só chegam a falar sobre eles aquilo não que
tenham certeza, mas que supõem, sabe-se lá porque, esteja em suas páginas. Para
não demonstrarem ignorância até inventam sentidos inexistentes, para outros que
ouvirão seus relatos com a mesma perplexidade e admiração daqueles que nem
chegaram a ler tais textos.
Não acredito que esteja dizendo absurdos e chego mesmo a
afirmar que voce que me lê e que frequenta lojas maçônicas ou corpos afiliados
da AMORC já testemunhou pessoas e cenas como a que descrevi.
Essas pessoas, que lêem mas não compreendem e que inventam
interpretações de textos que não compreenderam, são às vezes, mesmo,
consideradas intelectuais destacados em seu meio.
E assim o equívoco se mantém e se propaga.
Nada de objetivo, nenhum resultado prático se obtém de tais
leituras ou de tais discussões.
Escolas esotéricas deveriam ser locais de formação de homens
e mulheres mais sensíveis, mas também mais perspicazes, capazes de mais
pensamento crítico e analítico.
Eu, por exemplo, aprendi a ler com devoção os textos
clássicos. Por ingenuidade, li com devoção muitos textos não clássicos, feitos
por pessoas em que eu depositava confiança, ou avalizados por instituições em
que eu depositei a mesma confiança. Eram textos muito bonitos, profundos e
sensatos. Ou pelo menos me pareceram na época.
Depois, com o tempo, vi que nem todos estes textos não
clássicos poderiam ser chamados de sensatos, e que alguns, inclusive tinham sua
dose de Obscurantismo.
Uma campainha tocou em minha cabeça, e diminui a velocidade
como os consumia, pensando cada linha, cada trecho.
Então, além de perceber que pela profundidade da experiência
mística esta não poderia ser descrita apenas através de textos, e que além
disso, nem todos os textos eram ou são produto da inspiração divina, mas sim de
intelectos medíocres de pseudo esoteristas, uma necessária avaliação crítica destes
textos passou a ser rotina em minhas leituras, para ver o que valia ou o que
não valia a pena ser lido.
Muita coisa dita secreta, percebi, não possuía nenhum
segredo a ser descoberto. O rótulo de secreto apenas buscava dar importância a
textos sem importância alguma.
O próprio conhecimento esotérico não o é porque está
escondido em um cofre, não corre o risco de ser roubado, mas enfrenta a mesma
situação da mensagem do Cristo quando exposta por Paulo aos Gregos.
Em suas viagens , o apóstolo enfrentou perseguição, risco de
morte física, agressões. Na Grécia, apenas desdém. Sua fala foi considerada
banal e desinteressante. Disse ele que foi seu maior fracasso como pregador.( Atos dos Apóstolos,capítulo 17,
versículos 32 e 33 - "e, como ouviram falar da ressurreição dos mortos,
uns escarneciam, e outros diziam: acerca disso te ouviremos outra vez"
e assim Paulo saiu do meio deles.)
Estamos todos nós, esoteristas, como Paulo diante de uma
sociedade cética como a sociedade grega daquela época.
Poucos, muito poucos, se interessam pelo que nos
interessamos.
Pouquíssimos querem saber o que sabemos. E isto porque,
principalmente, não temos nada de objetivo a oferecer.
Cada vez mais as Ordens Esotéricas amargam números menores
de membros e se a abordagem do assunto não mudar, suponho que esta seja uma
tendência irreversível.
E quando falo em mudança de abordagem, falo em tornar os
ensinamentos mais diretos, mais focados em resultados palpáveis, pari passo com
procedimentos mais demorados, como a mudança alquímica da personalidade, que só
ocorre ao longo de demorados períodos de tempo.
Na AMORC ouço frequentemente a queixa de que os corpos afiliados
estão sem membros. Na Maçonaria, vejo aprendizes, membros do primeiro grau,
abandonarem a Ordem por tédio.
Mas o modelo não muda, por inércia mental ou por falta de
visão.
E ainda se acredita que a idéia de segredo ou de
ensinamentos secretos possam manter as pessoas interessadas.
O que é secreto, será secreto até ser revelado. E é bom que
a revelação não seja uma frustração para o interessado.
O mundo mudou. As pessoas não se deixam mais seduzir por
afirmações sem comprovação por muito tempo. A não ser que sejam absolutamente
desprovidas de inteligência.
Todos nós, em sã consciência , queremos mais das Ordens a que
pertencemos. Queremos ensinamentos práticos, operacionais, técnicas que possam
ser aplicadas no cotidiano e que, não sendo mágicas, pelo menos possibilitem
uma melhora de nosso desempenho profissional, social e humano.
Só isto já justificaria nossa filiação.
E como fazê-lo? Com a ênfase didática na experimentação, na
verificação em templo dos princípios que descrevemos em nossos texto,
rosacruzes ou maçons.
Para rosacruzes, demonstrações das técnicas que são
relatadas nas monografias, grau a grau; entre os maçons, seminários dinâmicos,
sem a monótona repetição de palavras ou de instruções, deixando que as colunas
se manifestem de modo livre e espontâneo, sobre temas fornecidos previamente. É
preciso deixar o Maçon falar e o Rosacruz experimentar suas idéias e conceitos.
Os chamados discípulos precisam de espaço para elaborarem
suas dúvidas e questionamentos, sendo papel dos mais antigos apenas orientarem
o desenvolvimento destes estudos, de forma a preservar um crescimento do
espírito do Irmão ou Irmã livre de chuvas e trovoadas, oferecendo-lhe um
ambiente acolhedor para o aprendizado e não o rigor de uma disciplina estúpida
e inútil, que desencoraja o questionamento e portanto o crescimento espiritual
e intelectual.
Nas palavras do educador inglês Sir Ken Robinson, "a
educação está matando a criatividade".
O esoterismo que se baseia na ilusão de que quanto mais
oculto melhor aposta na ignorância e sufoca a capacidade de seus membros de colaborarem como o crescimento de suas Ordens.
Sir Robson chama a educação do terceiro milênio de Educação
Botânica, que trata o aluno, o discípulo, não como um papagaio repetidor, mas
como uma planta que se desenvolve sozinha, necessitando apenas de condições
adequadas de solo, sol, e sombra para fazê-lo.
Nós precisamos deste impacto e desta revolução educacional
em nossas Ordens, de forma que valha a pena para cada membro sair de suas casas
e ir, com satisfação, até o seu corpo afiliado ou sua Loja certo de que,
naquele encontro, crescerá mais um pouco como ser humano e como místico.
A alternativa é testemunharmos ( e sinceramente, espero
estar enganado) o desaparecimento, por completa obsolescência, destas Ordens que
foram o reduto dos místicos e esoteristas por muitos séculos até hoje.
Sámkhya, Sankhya, Sāṃkhya,
ou Sāṅkhya (em sânscrito: सांख्य : sāṃkhya) é o sistema filosófico
indiano que foi desenvolvido concomitantemente com o yoga. A palavra
significa "Enumeração" ou "Conta".
Muito antigo, desenvolveu uma psicologia e ontologia sofisticada, que é a base
do sádhana ou
prática do yoga. Curiosamente é um sistema ateu que nega a existência de um deus
interferente (ishvara). Kapila , que viveu pouco antes do Buda, revisor deste sistema filosófico, escreveu os aforismos em que se baseia grande parte do
conhecimento atual sobre este intrincado sistema de pensamento.
A investigação através do Sámkhya ampara-se
estritamente sobre o conhecimento discriminador, racional, especialmente a
ênfase na causalidade. O caráter teórico especulativo do Sámkhya vai
eventualmente gerar divergências filosóficas com adeptos do Yoga, este
principalmente prático e experiencial.
O mais antigo tratado sobre Sámkhya
disponivel - o 'Sámkhyakarika', de Isvara Krsna - inicia o discurso deste modo:
1 - "A partir da ação
desagradável das três formas de dor, decorre a investigação do modo de
preveni-las; a investigação não é sem propósito só porque o testemunhável
existe, porque ele não alcança a prevenção permanente e certa [da dor]."
O objetivo do estudo do Sámkhya é o
cessar do sofrimento e da dor. Como outros sistemas filosóficos do período, o
Sámkhya encara dor e sofrimento como provindos da ignorância (avydia), não de qualquer ignorância, mas
de um tipo específico. E estando dentro de uma cultura hinduísta o conceito de Sansara é importante, sendo ele a roda dos nascimento, na qual
ora você é rico, ora pobre, ora saudável, ora enfermo, ora vivo, ora morto; desse modo, o Sámkhya, como outras escolas filosóficas nascidas na Índia,
propõe uma saída a essa condição existencial. O conhecimento obtido através do
Sámkhya visa Moksha -
liberação do sofrimento de todos os tipos, inclusive da morte e vida entendida
como Samsara.
Ontologia
O Sámkhya é essencialmente dualista. A distinção fundamental é
entre Prakrití, matriz de todos os fenômenos, e Púrusha, a testemunha
dos fenômenos.
Prakrití
Para entender o conceito de Prakrití é
necessário que se tenha em vista a noção de fenômeno: Prakritíé a matriz que
contém todos os fenômenos possíveis. Segundo a noção de causalidade aceita pelo
Sámkhya, um efeito qualquer está contido em potencial na sua causa
específica. Assim entende-se que, por exemplo o leite contenha em sí a manteiga
em forma latente, potencial. Entretanto, o leite sozinho não pode gerar
manteiga: para que o efeito se manifeste é necessário um arranjo específico de
causas compostas.
Seguindo este raciocínio a teoria do
Sámkhya conclui que todos os fenômenos manifestos devem ser efeitos de uma
causa primordial, uma matriz de onde emanam todos os fenômenos possíveis. Esta
matriz é chamada Prakrití. Para que possa ser efetivamente a causa primordial,
é necessário que Prakrití não seja ela mesma manifesta, dado que qualquer
manifestação da sua parte seria um fenômeno causado - efeito e não a verdadeira
causa. Além disso, já que admite-se que os efeitos advenham de causas
compostas, Prakrití também é composta por três "princípios" ou
"elementos" chamados Gunas.
Prakrití foi inúmeras vezes
conceitualizado erroneamente como a esfera da matéria, em oposição à alma ou
espirito. É importante que se reconheça que essas noções são propriamente
ocidentais e normalmente pouco precisas para definir o dualismo do Sámkhya.
Púrusha
Púrusha
significa pessoa,espírito ou homem . Como vimos, Prakrití é
a fonte de todo fenômeno, o contém tudo que tem causas específicas, o que
inclui o nosso próprio corpo, nosso ego pensamentos e tudo o mais que é fenômeno. Logo a noção de Púrusha
não corresponde de maneira alguma à nossa consciência linguística ou mental de
qualquer tipo. Tampouco está relacionada à alma no sentido cristão da palavra, dado que esta também tem causas
específicas, sendo considerada por alguns como equivalente a atma no Vedanta.
O conceito mais preciso de Púrusha
pode ser apreendido através da noção de "observador". Púrusha é a
consciência que observa os fenômenos de Prakrití. Uma alegoria esclarecedora é
a do homem no teatro ou cinema: O espectador é o observador de um espetáculo
desenrolando-se na sua frente, e pode eventualmente esquecer-se que é
espectador, tamanha sua imersão na história à sua frente. Púrusha e Prakrití
são entidades distintas assim como atores e espectador, mas o espectador não
reconhece sua verdadeira posição, ao invés disso se identifica com a história.
No entanto, a verdadeira consciência própria - Púrusha - não se identifica com
os fenômenos que testemunha. É somente o observador. O Ego (Ahamkara) é que
se identifica erroneamente com o que se desenrola a sua frente. Note-se que o
sofrimento não é entendido como fruto de um pecado ou erro cósmico, e sim fruto
do engano e da ignorância do ego, nunca do Púrusha. O Púrusha nunca se engana,
somente observa e sabe de tudo. Daí decorre que a liberação do Samsára pode ser
atingida por meio do conhecimento verdadeiro da natureza do Ser.
Sámkhya e Yôga
Sámkhya e Yôga são
consideradas por grande parte dos estudiosos como disciplinas irmãs - onde o
Sámkhya é uma investigação lógica acerca da causalidade e da consciência, o
Yoga se volta às práticas e experiências da consciência e dos fenômenos. Assim,
as duas disciplinas compartilham em grande parte o mesmo sistema teórico.
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