Multi pertransibunt et augebitur scientia (Muitos passarão, e o conhecimento aumentará).

domingo, 27 de abril de 2014

SUPERSTIÇÕES INÚTEIS, TÉCNICAS EFICAZES


por Mario Sales, FRC,SI,CRC




Os três ensaios que acabei de publicar (CRENÇAS, MISTICISMO E CIÊNCIA Ia, IIa e IIIa PARTES) foram desencadeados por uma pergunta de uma amiga durante uma conversa casual. O assunto era a exposição visual dos remédios, em uma prateleira. Na sua visão isto não traria boa sorte porque remédios expostos trazem doença. Em sua opinião, remédios deveriam ficar ocultos da visão. Argumentei que essa posição era fruto de mera superstição e que sendo ela como era uma pessoa culta e diferenciada, não podia dar atenção a crendices infundadas.
Sabendo de meus interesses esotéricos, sua resposta foi ferina: "Porque você diz isso? Não é você que crê no efeito mágico de letras hebraicas em uma simples folha de papel? Isto também não é superstição?"
Fiquei horas pensando sobre isso. Embora eu não concordasse com ela, este argumento do ponto de vista lógico, era perfeito.
Cabala prática, e o uso de Letras Hebraicas como catalisadores de eventos é , com certeza, algo difícil de aceitar para um cientista e não parece ser um conhecimento fundamentado para quem não estude Cabala. Não importa neste particular que o mais jovem e brilhante físico da NASA, Arieh Kaplan 
(que "obteve seu diploma de bacharel em física - com honras -. Na Universidade de Louisville, em 1961 e um mestrado em física na Universidade de Maryland, em 1963" e "foi listado na 17 ª edição (1979) de "Quem é Quem no Oriente ", nos Estados Unidos.") tenha abandonado seu trabalho em ciência para dedicar-se à traduzir e estudar o Sepher Yetzirah, Bahir e Zohar e praticar a meditação das Letras Hebraicas.


Arieh Kaplan

Eu creio nos efeitos da Cabala Prática porque já experimentei e, pasmem, funcionaram. O empirismo rosacruciano vive em mim e é óbvio que fui aos testes de campo antes de crer que uma simples letra pudesse ter, em um papel, o papel que teve.
Prefiro no entanto, não comentar este evento, já que se trata de algo por demais subjetivo e, obviamente, polemico. 
O teste que fiz satisfez o meu espírito crítico, mas pode não ser assim com outros, e não ofenderia a inteligência de ninguém exigindo que acreditassem nas minhas crenças a partir de uma mera experiência pessoal.
Em ciência, o que consolida o conhecimento é a evidência empírica, mas existe um processo racional até chegarmos a um experimento .
No entanto, a evidência empírica acalma os ânimos dos pesquisadores e tranquiliza seus espíritos. Mesmo que os cálculos matemáticos mostrem-se corretos, nada dá mais alegria a um cientista do que ver o fenômeno acontecer na sua frente.


Se bem que costumamos usar o termo "empírico" com desdém, às vêzes, querendo indicar algo que aconteceu de fato, mas que não podemos afirmar com certeza suas causas nem seu mecanismo de ocorrência.
Ou seja, trata-se de um mero acaso. O empirismo sem fundamentação racional é considerado algo de pouco prestígio em ciência. Para um cientista, não basta ver algo acontecer, é preciso entender como acontece e poder reproduzir o fenômeno.
Científico não é o que é visto, testemunhado, mas acima de tudo, o que é compreendido ao ser contemplado. Afinal de contas, nada é mais inseguro e impreciso do que o testemunho dos sentidos humanos.
Daí a necessidade de experimentos cuidadosamente elaborados para que o perigo de uma interpretação equivocada dos fatos, devido ao subjetivismo, possa acontecer.
Em rosacrucianismo prático, se é que existe outro tipo, temos o mesmo cuidado. Um ensinamento qualquer, pede-se ao estudante, deve ser testado, várias e várias vêzes, até que se perceba sem nenhuma sombra de dúvida de que se trata de algo real e cujo funcionamento é indiscutível.
São muitas técnicas e poucos são os rosacruzes que dominam todas elas. Uma ou outra, no entanto, acabamos por dominar e costumamos usar em nosso cotidiano como um diferencial de conhecimento.
Não posso e nem quero convencer ninguém do que digo.
Posso, no entanto, demonstrar.
E talvez seja isso que minha amiga supersticiosa não compreenda. Certas coisas estranhas e aparentemente supersticiosas não o são, porque dão meios diferentes dos usuais para resolvermos problemas grandes e pequenos, ao contrário da superstição pura e simples que sempre nos bloqueia e limita. "Isto não pode por causa disso, isso não pode por causa daquilo", etc,etc,etc. Isso é o que a superstição faz: paralisa sua vítima.
Técnicas rosacruzes , ao contrário, facilitam a vida, e como disse acima, podem ser demonstradas. E isso é muito legal.
Eu jurei, muitos anos atrás, não revelar nossas técnicas a ninguém que não fosse iniciado na ordem que nós chamamos fratres e sorores.
A título de demonstração, no entanto, posso ensinar uma técnica simples e também descrever sua fundamentação teórica.
É mais científico deixar que vocês façam os testes e, quando virem que funciona, se convençam sozinhos como eu e muitos antes de mim se convenceram.
Primeiro, vamos a descrição do exercício.
Vou batizá-lo aqui, apenas para efeito didático de "Achando coisas perdidas com a mente".
O exercício é assim. Imagine que você não acha as chaves do seu carro. Precisa sair com o carro, mas não encontra as chaves. Normalmente o que se faz é olhar em cima dos móveis, olhar as gavetas, no bolso de calças e paletós, etc, ou seja, sair pela casa procurando, num exercício de tentativa e erro. Pode ser que ache, pode ser que não. Digamos que você é um rosacruz iniciado. O que você faria?
Primeiro, ao contrário de um não rosacruz, não se mexeria pela casa a esmo; sentar-se-ia confortavelmente em uma poltrona, a mais agradável possível. Segundo: tomaria uma ou duas respirações bem profundas para relaxar ainda mais. Terceiro: fecharia seus olhos.
Aí então, no escuro de sua mente, você veria, com o máximo de nitidez, a chave do seu carro flutuando na sua frente, rodando no espaço, em terceira dimensão.
É importante que nesta visualização você tenha o cuidado de atentar e destacar todos os detalhes possíveis: forma, cor, odor se houver, asperezas, manchas no chaveiro, arranhões sobre o metal ou sobre o plástico, e assim por diante. Faria este exercício de visualização por 3 minutos no máximo.
Depois, abriria seus olhos e iria direto naquela gaveta aonde você já tinha ido antes, e não havia encontrado a chave e com uma segurança inexplicável, você enfiaria a mão embaixo de um papel e retiraria de lá a chave que procurava, sem cansaço, sem desgaste.
Alguém lendo isso poderia dizer: "Ah, isto é impossível", ou "Foi uma coincidência", etc, etc, etc.
Muito bom, é assim que devemos ser, céticos. 
O ceticismo não é um defeito, é uma qualidade, ajuda nossa mente a não crer em tolices, crendices ou nas lendas da internet. O ceticismo é um amuleto contra superstições.
Por isso, peço, não acreditem em mim. 
Testem o que eu disse.
Vamos nos dar o benefício da dúvida. 
Da próxima vez que perder alguma coisa, qualquer coisa , de qualquer tamanho, primeiro mantenha a calma, depois aplique esta técnica e observe os resultados.
Funciona, e seu funcionamento fica cada vez melhor quanto mais a usamos.
Só experimentando uma, duas, cem vezes, você vai começar a acreditar que não se trata de mera coincidência ou sorte de principiante.
É assim que se faz ciência, testando, verificando e reproduzindo voluntariamente o fenômeno. Isto funciona para outras coisas, não só para achar coisas perdidas, mas para encontrar pessoas, seu carro no estacionamento do supermercado ou um documento que você precisa muito.
E como funciona? Os rosacruzes acreditam que todos estamos mergulhados em um oceano de energia e consciência e que pensamentos e coisas não são diferentes. Cada forma, cada ser, vivo ou não, no universo, emite um campo próprio inconfundível neste oceano, que pode ser localizado mentalmente quando visualizamos o que queremos encontrar. A imagem que formamos em nossa mente reverbera com o objeto que procuramos e somos arrastados para ele, ou ele para nós.
Não precisamos crer nisso. 
O ideal é testar, muitas e muitas vezes.
Se funcionar, como eu sei que funcionará, e você não for um rosacruz, escreva para mim, e eu posso mostrar o link aonde você poderá se tornar um rosacruz, e aprender outras técnicas legais, que facilitam em muito nossa vida, mas que se baseiam em pressupostos ainda não totalmente aceitos pela ciência porque faltam elementos para isso.
E o que falta para a ciência aceitar essas coisas? Bases matemáticas ou medições por aparelhos, para avaliar a veracidade do fenômeno.
Para nós rosacruzes, no entanto, e acredito que para você que me lê também, o simples fato de funcionar uma, duas, quarenta vezes já será suficiente.
A experiência, como eu disse, é a felicidade do cientista.
Experimentemos pois, e descubramos a diferença entre superstição e conhecimento prático. 
O resto é o resto.

sábado, 26 de abril de 2014

CRENÇAS, MISTICISMO E CIÊNCIA IIIa PARTE

A CHAMADA "FALSA LUZ"


por Mario Sales, FRC,SI,CRC

Hyeronimus Boch

Nesta terceira e última parte me dedicarei novamente a tentar desmistificar o intelecto como inimigo da santidade, instrumento do demônio para perverter a pureza dos simples ou simplesmente a marca de Caim dos vaidosos, símbolo portanto do Mal.
Tudo começa muito tempo atrás, em um mundo onde os maçons não haviam começado a construir suas catedrais e os rosacruzes ainda se mantinham fora da Europa. Todo o mundo ocidental era um caos permanente só descrito com fidelidade pelas obras, bem posteriores, de Jeroen van Aeken ou Hieronymus Bosch.
Sem saneamento básico, sem saber o que era uma bactéria, sem antibióticos ou vacinas, a humanidade jamais ultrapassava um milhão de pessoas.
Não havia medicina, apenas curandeiros.




A morte era uma companheira constante da vida, e também sua adversária. Muitos assassinatos religiosos, perseguições políticas, chacinas, pestes.
A comida escassa, a ignorância atroz.
Em meio a este Caos, alguns se mantinham com certa dignidade: eram os sacerdotes, com estabilidade no emprego, comida farta e acesso a cultura grega que deveriam preservar no interesse do conhecimento humano e da manutenção do monopólio da sabedoria nas mãos da Santa Madre Igreja.
Os padres sabiam ler e eram formadores de opinião. O púlpito e os sermões lhes dava a chance de transmitir valores, idéias, conceitos e preconceitos. Gutemberg (Johannes Gensfleisch zur Laden zum Gutenberg ou Johannes Gutenberg : Mogúncia, 1398 — 3 de fevereiro de 1468 ) ainda não nascera e portanto os textos, se houvessem, eram desenhados a bico de pena em salas de escrever, chamadas em Latim "scriptorium". Ilustrações belíssimas eram colocadas ao lado dos textos, tão belos e tão coloridos que iluminavam as páginas e eram por isso chamados "iluminuras".
Neste mundo de contraste, entre a opulência dos humildes servos de Cristo, e a miséria escabrosa do resto da população, a forma de manter o status quo era convencer a todos de que aquilo era normal, de que haviam causas transcendentais para este desastre social e que a culpa de tudo o que ocorria não era de Deus, mas da própria vítima de tudo, o ser humano comum, através da intermediação de uma entidade fabricada para fazer o papel de vilão, a quem chamou-se Satã. Este enredo de crime e culpa foi divulgado nos púlpitos e pregações em todo o mundo europeu, de forma a que de tanto ser repetido, transformou-se em uma verdade inquestionável.
É nesta época que os Cultos, maquiavelicamente, iniciam o processo de glamorização da miséria e, além disso, de exaltação da ignorância como um símbolo de santidade. Os que tinham pouco ou quase nada, os miseráveis, chamados eufemicamente de "simples" foram convencidos de que estavam mais perto de Deus exatamente por causa de sua miséria e que, a pobreza era um sinal de sua humildade, lhes dando dignidade.
Os nobres poderiam ser bem alimentados e fortes, mas não estavam espiritualmente tão bem e isto era um consolo suficiente e definitivo.
Como a miséria, a ignorância deveria ser cultivada para que o homem não fosse tomado pelo pecado do orgulho, do qual os padres que liam, liam e liam estavam livres graças às orações constantes e pela prática de uma vida aparentemente recatada.
Este quadro perdurou até a reforma, quando Lutero indignou-se com o óbvio e, ao perceber que seus apelos não seriam atendidos resolveu fundar sua própria igreja, baseado em uma visão diferente da Igreja de Roma. Martinho Lutero, em alemão Martin Luther, (Eisleben, 10 de novembro de 1483 — Eisleben, 18 de fevereiro de 1546) nasce 15 anos depois da morte de Guttemberg. A tipografia avançava e a popularização dos livros se acelerava. Mais pessoas liam sobre mais coisas, embora o texto mais consultado ainda fosse a Bíblia. Só que a Bíblia, como o nome diz, não é um livro, mas um conjunto de livros, e muitos assuntos ali se misturavam. Aspectos de Arquitetura e Matemática, nos relatos sobre a construção de templos; de Estratégia Militar, bem como Medicina, Política e Sociologia.
Novos livros foram sendo escritos sobre estes livros, outros traduzidos da língua árabe e do grego.
A Igreja já não tinha o monopólio da cultura. Começava o Renascimento.
O Mal, no entanto, estava feito. Um conhecimento passado atrelado ao medo ou a uma emoção equivalente em força, se fixa de modo mais firme do que Poesias alegres ou Comédias Gregas.
O Medo é como um peso amarrado nas pernas de uma informação e assim ela afunda com ele nas águas escuras de nosso hipocampo. Como um parasita este conhecimento se instala e mesmo a psicoterapia mais contundente tem dificuldade de retirá-lo de lá, como um tumor tão enraizado que, se retirado, mata o paciente. O aspecto mais diabólico desta situação é que este trauma tenha sido consumado através de recomendações disfarçadas em uma aparente Moral Elevada. Lacan, em uma palestra lembrava que "Freud já dizia, que não o Mal, mas é o Bem que gera e que alimenta a Culpa".
Essas associações conceituais ( Bem=Culpa; Ignorância=Humildade; Miséria=Santidade) foram fundidas umas às outras e juntas escondidas na circunvoluções cerebrais.
E assim o nosso Imaginário foi contaminado por estas perversões filosóficas, por este condicionamento nefasto, de tal modo e com tal intensidade, que todo homem de ciência, de conhecimento, inspira não só Medo, mas, acima de tudo, desconfiança.
Quanto mais ignorante for o indivíduo, mais forte será sua aversão às coisas da Lógica, ao bom senso, ou a qualquer sinal de disciplina mental.
Cito como exemplo um dado assustador que só percebi a partir de um comentário casual de um amigo, médico e pediatra. Lembrava ele que, no mundo das histórias em quadrinhos, este preconceito perseverava, de modo que o vilão tinha quase como um sinônimo a expressão "Gênio do Mal", ou por outra, que sempre havia em algum lugar um "cientista louco", enquanto o herói se destacava pelos seus músculos e força física.
Quanto mais músculos, mais bondade; quanto mais cérebro, mais maldade.
Sim, eu lembro de heróis científicos, que não prosperavam, mas se existia um cientista do Bem era sempre em antagonismo a outro, do Mal.
O Herói, o modelo a ser seguido, seguia o mesmo figurino, quase sempre: vida simples, muitos músculos e tendência ao auto sacrifício. Os vilões sempre em opulência e luxo, as vezes muito cultos e refinados.
Para muitos, portanto, de modo inconsciente, a bondade está fortemente associada a pobreza da mente e à força do corpo.
Quanto mais estúpido e musculoso, quanto mais ingênuo e inocente, mais nobre é o indivíduo.
A Sagacidade foi elevada a categoria de qualidade do Mal, associada às artimanhas do Caído, hábil com as palavras como as pessoas cultas, todas, portanto, demoníacas.
Quanta maldade é necessária para se matar um espírito, uma mente? Não bastasse as barbaridades da contra reforma, a Inquisição, a Igreja, fonte de toda a demonização da ciência e exaltação do medo e da culpa, perseguiu, por séculos, até supor morta, a inteligência humana.
Bruno e Galileu foram vítimas mais famosas; decerto outras sucumbiram ao seu empenho maléfico contra o conhecimento, anônimos, cujos nomes jamais chegaram as páginas da história, ceifados física ou espiritualmente antes que despontassem.
Um amigo me adverte que a mesma Igreja que perseguia e matava também foi a responsável pela transmissão da mensagem do Cristo. Fato. Só que existem sérias dúvidas sobre a fidelidade desta transmissão e das interpretações feitas de suas palavras, em seu santo nome.
Religiões guerreiras ou ligadas ao Estado sempre me causaram receio e desconfiança. Duas em particular tem este título: o Catolicismo Romano e o Islamismo Maometano. Não se sabe que monges budistas tenham invadido, espada na mão, uma província qualquer na Índia ou no Butão para chacinar dissidentes. Ou que Xintoístas perseguissem os Confucionistas e os Taoistas. Não. Somente estas duas grandes linhas guerreiras religiosas são a fonte de toda tensão, de todo confronto entre os homens, há séculos. E muitas foram as vítimas físicas e principalmente psicológicas de sua sanha de poder.
Contra isso, ao menos os membros de escolas esotéricas deveriam se levantar, não fisicamente, mas mentalmente.
Deveriam antes de qualquer coisa varrer de suas mentes qualquer pensamento depressivo ou de depreciação da vida, originado neste discurso católico-judaico-cristão.
A vida biológica deveria receber a importância que merece no meio destas escolas e a raridade da existência da raça humana neste mundo frágil e improvável, exposto a radiação de uma estrela gigantesca e a fúria dos vírus e dos elementos do clima, precisa ser reconhecida.
Já é hora de escolas esotéricas serem esotéricas não porque interpretam textos obscuros e com um tom de autoflagelação em nome da santidade, mas sim se transformando na Casa de Salomão, a Casa dos Sábios descrita por Francis Bacon, Imperator Rosacruz, em seu livro Nova Atlântida.
Em seu projeto da Grande Restauração ( Instauratio magna), Bacon, no texto da Nova Atlântida, antecipa a preocupação em construir uma sociedade apoiada no conhecimento e na ciência. Não é estranho que esse seja um autor e um rosacruz inglês, talvez a nação que mais precocemente confrontou as intenções políticas por trás do discurso religioso de Roma.
Foi um pensador e sociólogo alemão entretanto, Max Weber, em um livro perspicaz ( A ética protestante e o espírito do Capitalismo) o responsável por demonstrar que quanto mais cedo as nações se afastaram de Roma e de sua pregação nefasta, mais prosperaram. Os países do Norte da Europa, em geral protestantes, são exemplos de sociedades saudáveis mental e financeiramente, enquanto o1s países do sul da Europa expressam a sequela do Catolicismo Romano e de sua influência.
Não vou falar de coisas já sabidas como as consequências nas Américas desta cascata de dominós ideológicos e religiosos.
O que é importante neste ensaio é ressaltar que os rosacruzes do Círculo de Tübingen que redigiram os Fama Fraternitatis ( O Relatório da Irmandade) o Confessio Fraternitatis (A Confissão da Fraternidade), bem como as Bodas Alquímicas de Cristian Rosencreutz eram protestantes e portanto, militantes anti papais.
E sua militância era baseada na percepção clara de que os métodos de Roma eram contrários aos métodos de Deus , como expressos na Natureza a nossa volta, que é plena, abundante e rica, e que prospera em todos os sentidos para a Sua Glória.
Os mares estão abarrotados de peixes e os céus repletos de aves, o Universo não tem um tamanho conhecido e quanto mais o investigamos , maior ele nos parece.
Deus, portanto, jamais foi pobre ou miserável e sua obra, a criação, merece a classificação de, no mínimo, exuberante.
A miséria física como um caminho para Deus é uma invenção religiosa; da mesma maneira que o culto da estupidez intelectual como sinal de simplicidade e santidade.
A luz do intelecto, pela qual tantos rosacruzes lutaram, e, entre estes, o mais conhecido é Comenius, o educador checo que hoje é símbolo da UNESCO, deve ser restaurada a sua condição de Luz, não verdadeira ou falsa, mas Luz como outra qualquer.
A inteligência precisa ser estimulada, pela leitura, pela arte e pela música, principalmente em uma época como a nossa aonde o conhecimento é farto e se derrama ante nossos olhos, sem que o tenhamos solicitado.
Categorias como Bem=Culpa; Ignorância=Humildade; Miséria=Santidade devem ser banidas e substituídas por outras onde o amor ao conhecimento, típico da história dos rosacruzes, ganhe a importância que merece.
Rosacruzes, só por serem rosacruzes, devem cultuar a cultura e lutar contra a superstição e a ignorância. E superstição é todo conhecimento infundado limitante, que paralisa o indivíduo, que o obriga a comportamentos descabidos sem base na experiência real e cotidiana.
Só o conhecimento consegue discernir entre superstição e crença mística, mas este já seria um bom critério: a crença mística traz alegria e contentamento e a superstição medo e paralisia.
Lutemos todos, com todas as luzes, a da inteligência e a da sabedoria, lembrando que ambas, Hockhmah e Binah, são a sustentação de Kether, a Coroa da Árvore da Vida.
Sem elas, em conjunto, não haveria transmissão da Luz de Deus aos planos inferiores, Atziluth não existiria.
Rosacruzes são e devem ser sempre esoteristas e místicos diferenciados e o que os diferencia é sua capacidade de reflexão unida a sua devocionalidade.
Uma sem a outra só os enfraquece.
Não somos religiosos; somos esoteristas e místicos.
Façamos valer nossa história de luta contra a barbárie e as trevas com a Santa Luz do Intelecto, instrumento de transmissão da Inspiração Divina.

CRENÇAS, MISTICISMO E CIÊNCIA IIa PARTE

CRENÇAS ROSACRUCIANAS

por Mario Sales, FRC,SI,CRC




Nesta seção, abordaremos crenças tipicamente rosacrucianas. Falamos no ensaio anterior que existem dois tipos básicos de místicos: aqueles de base religiosa e os espontâneos, tocados por uma predisposição mística (PM) sem intermediários.
Os rosacruzes crêem que a presença de Deus e a influência da Consciência Cósmica em suas vidas é permanente, banhando-os como uma chuva ininterrupta de inspirações, intuições, orientações, enfim, que são recebidas, processadas e transformam-se em uma ação sempre benéfica no Mundo da Vida (MV), o Lebenswelt, um termo roubado e modificado por mim do filósofo alemão Jürgen Habermas.
É óbvio no entanto, que perceber e usufruir desta inspiração de modo claro, não é para todos.
Esta é uma parte importante do treinamento de um rosacruz: aprender a aceitar para captar este fluxo de idéias a qualquer momento que precise, consciente ou mesmo inconscientemente. É nisto que se baseia o conceito de Intuição na compreensão do discurso rosacruciano, e para nós é esta Intuição que norteia nosso trabalho científico.
Se, do ponto de vista da ciência ortodoxa, buscamos a Verdade das coisas a partir das coisas, na ciência Intuitiva e Inspirada, tipicamente rosacruciana, partimos das orientações recebidas do Altíssimo, que nos oferecem vislumbres do Real, e iniciamos a busca por elementos que demonstrem estes vislumbres, com o mesmo rigor que a ciência exige de si. E aqui aproveito para fazer um parêntese histórico. Este rigor, não cientistas ortodoxos, mas muitos rosacruzes esquecem, foi construído com uma contribuição importante dos próprios rosacruzes.
Dos três pilares que sustentam o método científico moderno, (empirismo, ceticismo metodológico e positivismo, o ater-se à experiência para fundamentação do conhecimento científico) dois foram fornecidos pelo trabalho intelectual de rosacruzes.
O empirismo, com Francis Bacon, 1° Visconde de Alban, também referido como Bacon de Verulâmio ( Londres 22 de janeiro de 1561 — Londres 9 de abril de 1626); o Ceticismo Metodológico, com René Descartes (La Haye em Touraine, 31 de março de 1596 – Estocolmo, 11 de fevereiro de 1651), enquanto o Positivismo , com Isidore Auguste Marie François Xavier Comte (Montpellier, 19 de janeiro de 1798 — Paris, 5 de setembro de 1857) estabelece a importância da observação dos fenômenos, opondo-se ao racionalismo e ao idealismo.
Bacon e Descartes eram Rosacruzes.
Nós, rosacruzes, demos aos cientistas contemporâneos as bases do pensamento científico. Devemos nos lembrar disto antes de criticá-los por olhar com desconfiança e prudência intelectual (ceticismo metodológico) as nossas assombrosas afirmações acerca de forças invisíveis ainda indemonstráveis que atuam sobre o mundo material.
Ao olharem com reservas para estas afirmações os cientistas estão apenas fazendo aquilo que devem e que os pensadores rosacruzes ensinaram a fazer: pensar com cuidado, procurando evidências das afirmações em questão.
Os rosacruzes modernos, ao reclamarem do ceticismo científico demonstram desconhecer a própria história da Ordem Rosacruz e de seus luminares.
Continuando nosso raciocínio, o uso da Intuição como guia juntamente com o Intelecto, é, pode-se dizer assim, o terceiro ponto deste triângulo epistemológico que os rosacruzes vem construindo ao longo destes últimos 500 anos. É o próximo passo do conhecimento, dominar a arte de sentir a verdade, não só surpreendê-la ou desnudá-la bruscamente, sempre de modo parcial, mas vê-la de modo completo, tridimensional, evitando a armadilha da dualidade; o Intelecto, neste caso, reservado-se à função de meio de expressão daquela Inspiração e não seu aparente descobridor.
Para usar a Intuição é preciso treino . Pra começar este treino, é preciso antes ter sensibilidade. E esta sensibilidade só existe se o indivíduo possuir PM. São condições interligadas.
Na verdade, embora nem todos a percebam, todos os seres humanos são banhados pela inspiração divina e quatro são, em geral, os tipos de pessoas que a recebem: dois tipos religiosos, um com PM, o outro não; e dois não religiosos, também um com PM, o outro não.
Quando ligadas a um discurso religioso X qualquer, as que tem PM tenderão a refletir este estímulo no MV através da lente daquele discurso religioso específico ao qual pertencem, o que modificará a natureza primitiva desta intervenção, talvez distorcendo seu conteúdo; os que não tem esta PM não apresentarão qualquer reação ao estímulo da Consciência Cósmica e serão religiosos formais e sem conteúdo (ESQUEMA 1).
Já aqueles que recebem o influxo sem religiões organizadas como intermediários, através da arte (poesia , musica, escultura, pintura), do convívio com a natureza ou mesmo da filosofia, se possuírem a PM, terão a tendência a agir no mundo, motivados por este chamado, mas o farão de modo pessoal, idiossincrásico, de modo mais fiel à inspiração recebida do Altíssimo.(ESQUEMA 2)
Não poderemos rotulá-los com facilidade e acabarão dando um nome novo a sua intervenção no mundo, fundando ou não uma nova religião.


ESQUEMA 1
(clique sobre o esquema para vê-lo ampliado)



ESQUEMA 2



Os seres humanos que não forem religiosos e nem tiverem PM , estes estarão em uma situação bastante difícil, apresentando-se geralmente apáticos, sem nenhum interesse na comunidade humana ou na sociedade. Pessoas com PM latente ou manifesta são altruístas. Pessoas sem PM latente ou manifesta, são egoístas.(ESQUEMAS 1 e 2)
O DESPERTAR
O estímulo puro da Consciência Cósmica, quanto atinge alguém com PM, é um influxo de inspiração, capaz de modificar a vida de um ser humano. O que sabemos é que a PM se apresenta nos indivíduos em diferentes graus de intensidade. Quando a inspiração cósmica banha um indivíduo que atingiu determinado grau de PM ocorre uma reação peculiar conhecida pelo nome de despertar , um salto qualitativo, resultante do acúmulo quantitativo de evolução espiritual, e a pessoa que desperta recebe as vezes o título de Iluminado.
O despertar ou iluminação não significa no entanto, um aperfeiçoamento completo do indivíduo. Trata-se apenas de um upgrade espiritual, dando-lhe poder sobre as coisas da terra e uma determinação muito maior na busca pela Luz do Espírito. Ser apenas um Iluminado, não basta.
O despertar em si não melhora o vocabulário do indivíduo ou aumenta o número de informações objetivas em seu cérebro. É verdade que ele ganha uma percepção melhor do Universo, mas ainda dependerá de seu próprio vocabulário e da sua capacidade de linguagem específica para descrever as percepções que recebeu.
Ou seja o desperto ou iluminado pode e deve melhorar sua capacidade intelectual depois do despertar.
Não se trata, portanto, como muitos supõem, de um fenômeno terminal, que desobrigue o indivíduo de continuar seu aperfeiçoamento, tanto espiritual quanto material. E isto por causa do seu vínculo com toda a Humanidade, que aumenta neste momento e o transforma em um servidor.E o iluminado serve principalmente transformando mentes através de sua sabedoria, sabedoria esta que ele expressará, entre outros modos, através da linguagem.
O caminho da evolução é infinito e mesmo o mais perfeito dos seres precisa evoluir mais e mais. O ideal seria que este desenvolvimento espiritual encontrasse um ser já cultural e intelectualmente elaborado, de forma a que este estímulo cósmico resultasse em uma imediata intervenção no Mundo da Vida didática, marcante e transformadora para muitos seres humanos que não possuem nem um, nem outro tipo de Luz.
É exemplo de intervenção bem sucedida o fato de Jesus falar por parábolas, linguagem adequada e de compreensão universal e atemporal. Parábolas podem ser compreendidas na Palestina daqueles dias como no Brasil de hoje. Puro didatismo, um intelecto preparado a serviço da espiritualidade desperta. E isto ajuda e facilita a vida de quem vem depois, que ainda não despertou, para as vicissitudes do caminho até o despertar, e depois.
É muito comum entre místicos e não místicos a admiração por iniciados que atingiram o despertar, mas que não trazem consigo uma bagagem intelectual que lhes permita transmitir uma mensagem clara do caminho que percorreram, porém, se todos percorrerão o mesmo caminho e o desperto, o iluminado, não é capaz de deixar migalhas de conhecimento orientando a direção a seguir, ele é como o guia que foi tão na frente da caravana que se perdeu dela.
É preciso dividir informações de percurso, estratégias, físicas e espirituais, compartilhar enfim o que foi conseguido a duras penas para que aqueles que vem depois de nós encontrem o caminho com mais facilidade.
Sim existem os sábios Mounis, silenciosos, tão importantes quanto aqueles que falam. Mas o corpo de um santo irradia uma aura que abençoa quem está a seus pés, quem é abençoado por sua santa presença, mas sua palavra atravessa montanhas, os séculos, e vence a morte.
Vejam que mesmo os Mestres Silenciosos Mounis, tiveram aqueles que escreveram por eles ou sobre eles, como Platão fez com Sócrates ou Arthur Osborne com Ramana Ramarishi, o sábio silencioso do monte Arunachala.
Falar e dividir oralmente informações é um tipo de serviço. Apenas isto. Mais amplo e capaz de atingir mais pessoas em muitas épocas e lugares e é por isso que eu o destaco aqui.
O serviço expressa evolução, bem como a evolução só se justifica no serviço.
Portanto, não basta ser iluminado, é preciso que essa luz ajude a outros a encontrar o seu caminho em meio às trevas. É preciso que o desperto tenha preparo intelectual para auxiliar aqueles a quem dirigirá sua fala orientadora, adequando-a ao nível cultural e espiritual dos interlocutores.
Ele precisa de educação, enfim, de cultura.
O fator cultural modifica e modula a intervenção no Mundo da Vida daqueles que estão despertos.
Por isso, como existem Iluminados que nos abençoam com sua presença neste mundo, existem entre eles também, níveis diferentes de cultura intelectual e habilidade de expressão, o que diferencia a intervenção que estes sábios poderão efetuar no Lebenswelt.
Reforço que esta cultura e este intelecto só tem uma finalidade: facilitar o acesso de outros à sabedoria universal que mergulha pelo Sahashara Chakra na mente do Iniciado.
Todo Iluminado é um médium de Deus.
Sua boca fala aquilo que Deus lhes inspira. Parafraseando Paulo, não é mais ele que vive, mas Deus que vive nele.
É muito importante, portanto, entender que quando a inspiração encontra um veículo preparado, este é um encontro feliz. A facilitação didática da compreensão das verdades universais é um ato de misericórdia e que as pessoas precisam receber subsídios para que alcancem mais rápida e seguramente o nível daquele Iluminado que lhes fala. Porque todos nós estamos condenados a sermos, de novo, Deus, não partes d'Ele, mas Ele mesmo, já que a gota que cai no oceano, como gota já não existe, mas torna-se parte de todo o Mar a sua volta.
Nós, seres humanos e animais ditos irracionais, plantas e bactérias, todos somos apenas uma família, um único espírito, um único corpo.
Buscamos a fusão e a harmonização de nossos sentimentos, valores e conhecimento. Só que tudo, no final, é conhecimento, e esta é, ao fim e ao cabo, a função do Universo, este imenso laboratório de aperfeiçoamento e expansão do conhecimento do Altíssimo.
Quanto mais partilhamos nosso conhecimento, mais cumprimos nossa verdadeira missão neste mundo, mais nosso espírito ganha em evolução e nobreza.
Nenhum Iluminado, por ser Iluminado, pode abster-se de procurar dividir as visões inspiradas a que tem acesso, mas encontrará dificuldades de expressão proporcionais a sua limitação intelectual, o que em nada diminuirá sua santidade, porém impedirá que mais pessoas sejam alcançadas pelas suas idéias, não só suas, em toda face da Terra. Estas são algumas das crenças rosacrucianas. Aperfeiçoemos-nos sempre, mais e mais, espiritual e intelectualmente.

Busquemos a Iluminação, mas não esqueçamos: ser Iluminado apenas, para servir bem, não é o bastante.

domingo, 20 de abril de 2014

CRENÇAS, MISTICISMO E CIÊNCIA

por Mario Sales, FRC,SI,CRC



Porque cremos no que cremos?
Há duas possíveis respostas para esta questão.
A primeira é a resposta dos religiosos, que crêem por que crêem; provavelmente isto advém do efeito de um condicionamento educacional, seja do ambiente familiar, seja do ambiente social específico ou comunidade em que se desenvolvam, a qual lhes instiga desde a infância certos valores e paradigmas, de modo tão intenso e cotidiano que, anos mais tarde, difícil é admitir que aquele conhecimento é adquirido e não inato, que veio de outros e não de dentro de nós.
A segunda é a resposta dos homens e mulheres dedicados à ciência. Também por força de um ambiente familiar que lhes permite uma visão mais elástica e de horizontes mais amplos do mundo, acostumam-se a correlacionar desde cedo acontecimentos e experiências com convicções.
Observam a complexidade da natureza e se fascinam com seus mecanismos íntimos, tanto os de natureza atômica, quanto os de natureza biológica, ambos belos e complexos.
Enfim, cremos em certas coisas porque nos ensinaram a crer nessas coisas, e portanto reproduzimos comportamentos mentais de terceiros: chamaremos este tipo de tipo 1; ou cremos em coisas que presenciamos e experimentamos pelo ver, tocar, sentir, cheirar, e em função deste testemunho físico e perceptivo, cremos na sua existência: chamaremos este tipo de tipo 2.
Tanto os do tipo 1 quanto os do tipo 2 aperfeiçoam seus modos de crer, ao longo do tempo.
Os do tipo 1 começam crendo em coisas que outros crêem, mas depois começam a ter crenças próprias, mesmo mantendo o mesmo protocolo de partir de convicções que não estão apoiadas em fatos, mas em impressões pessoais acerca do mundo, ou seja, simples opiniões. Uma coisa não muda, a estabilidade de suas idéias, as quais não tem por características evoluirem, se transformarem, se adaptarem a condições diferentes, épocas diferentes.
QUADRO  I

Os do tipo 2 aprendem a pensar de acordo com acontecimentos. E como pelo menos alguns acontecimentos se modificam diariamente, suas  convicções, mais flexíveis, também mudam, se alterando com frequência, desde que os fatos se alterem.
A vida gera uma espécie de tensão no seu movimento de fluxo, como um líquido dentro de um cano que faz uma certa pressão para fora quando flui por ele.
Tipos 1 geralmente são como canos com paredes mais rígidas, aonde a pressão é maior. Tipos 2 tem canos de paredes mais elásticas que se distendem com mais facilidade. A conclusão natural é que a tensão e o risco de explosão nos tipo 1 é bem maior.
Pessoas com crenças sem fundamentação tendem a ser mais agressivas, irritadiças, e tem uma saúde mental mais instável.
Mas, e os Místicos? São do tipo 1 ou do tipo 2?
Depende.
Há religiosos muito devotos que são chamados místicos.
E existem místicos não religiosos, não egressos de uma tradição religiosa específica.
QUADRO II

Os primeiros estão ligados a uma fé, se bem que ao ultrapassarem determinado nível de profundidade em sua experiência mística, os aspectos formais de suas religiões ficam para trás. Dizem até que todos os místicos, qualquer que seja sua origem e tendência, em certo local da busca , se encontram no mesmo lugar.
Particularmente, prefiro os místicos que não partem de um pressuposto religioso, entre os quais me incluo.
Eu explico. Todo condicionamento é difícil de superar. Como o cigarro. Torna-se um vício.
Por isso um místico que se percebe místico, arrastado por uma tendência íntima e não a partir de um estímulo externo inicial, é, não mais autêntico, mas mais flexível e aberto a novas experiências.
E nisto, místicos sem um viés religioso inicial se parecem muito com os crentes do tipo 2. Fundamentam suas crenças em experiências de percepção.
Sua diferença em relação aos cientistas ortodoxos é que estas experiências são internas e não externas.
Mas quando digo internas, quero dizer muito profundas.
Explico. Tipos 2, embora mais flexíveis, são mais superficiais. Sentem-se cientificamente inseguros com experiências sobre as quais não possuam total controle, e as experiências de cunho psicológico são desta natureza.
Tanto que é preciso, em experiências psicológicas, estabelecer uma série de salvaguardas para evitar o que se chama em ciência subjetivismo, ou seja, a interferência da opinião pessoal ou de crenças pessoais na interpretação dos fenômenos a nossa frente ou dentro de nós.
Isto, a rigor, é impossível.
Então, o que podemos fazer é diminuir ao máximo esta interferência de nossas crenças pessoais, de tal forma que, sendo reduzido o dano, possamos ter alguma confiabilidade nos resultados encontrados.
Isto tem transformado as experimentações de cunho psicológico cada vez mais em experimentações mais neurológicas, neuroanatômicas, do que essencialmente psicológicas.

Místicos de origem não religiosa também trabalham baseados em percepções e experiências, só que internas, e se especializam em separar mentalmente o que é produto de crenças psicológicas das sensações que vem direto do seu coração. Toda a sua vida é dedicada a esta experimentação solitária e pessoal, na identificação da origem de cada pensamento, de cada sentimento.
Como se nosso interior fosse nosso laboratório. Não, não como se fosse: nosso interior é nosso laboratório.
Entro em meu coração como entraria no departamento de psicobiologia de uma universidade.
Ponho meu avental rosacruz, como colocaria meu guarda pó branco do laboratório.
Dirijo-me ao meu sanctum como me dirigiria a bancada de trabalho de meu laboratório fictício universitário.
Existem procedimentos preliminares em ambos os casos. Ligar o computador e os instrumentos em um; acender as velas e dizer a abertura padrão em outro; ler os relatórios e ver a agenda de experimentos do dia em um; ler os relatos das monografias e os experimentos programados para o sanctum daquela noite.
E começam os trabalhos.
Testes e mais testes, nos procedimentos científicos ortodoxos, analisando fatos externos; nos procedimentos heterodoxos, místicos, analisando fatos internos da nossa própria mente.
Alguns exemplos de trabalhos experimentais heterodoxos:
aonde começa em mim a superstição e termina o misticismo? Porque cremos em coisas invisíveis e as chamamos de reais, como o poder esotérico das letras hebraicas, e não acreditamos em Vodu[1] haitiano, por exemplo? São todas as crenças mágicas, sempre, produto de uma superstição? Ou só aquelas que não geram resultados visíveis? Deveríamos como místicos simpáticos ao tipo 2 de crença, ater-nos somente as experiências que podemos realmente fundamentar em percepções internas intensas e de realidade indiscutível ou devemos crer em informações da tradição, não comprovados?
O que concluo é que nós, rosacruzes, andamos no fio da navalha, mais ou menos como os médicos. Nós, médicos, temos contato com situações sempre as mais complexas e nem sempre podemos explicar tudo que testemunhamos.
Temos alguns protocolos mentais para poder exercer nosso trabalho de médicos, algumas compreensões básicas do ser humano, conhecimentos anátomo-bioquímicos, formas de entender o fenômeno da vida, da saúde e da doença, só que em grande número de oportunidades as coisas saem de nosso controle e percebemos que tudo que sabemos não nos garante cem por cento de compreensão daquilo que está ocorrendo a nossa frente. E alguns de nós, médicos, seja porque não somos competentes o suficiente, seja porque somos muito capazes, acabamos preenchendo as lacunas com explicações metafísicas e religiosas, e às vezes, místicas.
De todas as comunidades científicas, a comunidade médica é talvez a que está mais próxima da superstição pela natureza humana de sua prática.
Aquilo que a psicologia tenta retirar de seus experimentos, na medicina também tentamos, mas com menor grau de sucesso, já que a prática médica não é, via de regra, protegida por salvaguardas experimentais do subjetivismo.
Médicos não estão impedidos de fazer ciência, de pensar como pensam pessoas racionais, de crer como crêem os indivíduos do tipo 2, mas muitas vêzes entram no meio de nossos procedimentos mentais aspectos e crenças do tipo 1, que vem preencher os vazios provocadas pelo intenso subjetivismo de nosso trabalho.
Podemos nos desfazer deste subjetivismo, no dia a dia?
De forma alguma, ele é parte do indivíduo a nossa frente, ele é talvez sua maior parte. E pensando de modo tipo 1, às vezes parece que se resolvêssemos esta parte subjetiva do paciente a nossa frente todo o resto se resolveria. Depois, vemos situações físicas irreversíveis, que evoluem como deveriam evoluir, e voltamos ao modo tipo 2, e o que antes nos passou pela mente desaparece. Ficamos como que  oscilando de um tipo a outro de crença porque os fatos e as combinações à nossa frente no consultório ou no leito são tão dinâmicas e complexas que um tipo só de crença seria desejável, mas nem sempre é possível. Eu ainda acho que talvez a oscilação mais adequada não seria essa entre o tipo 1 e o tipo 2 , mas entre o tipo 2 e outro tipo, o tipo 3, que instauro agora, o qual definirei aqui como aquele modo de crença baseado em vivências interiores livres de subjetivismo psicológico e que ficam mais claras quanto mais frequentamos e experimentamos em nosso laboratório interior.
O tipo 3 de crença, pois , é o tipo de crença baseada em percepções claras que vem do coração, não da mente, aonde nascem as crenças e aonde habita o intelectualismo. O tipo 3 é o canal da intuição captativa, aquela que nos alimenta de dentro para fora, ao contrário do tipo 2 alimentada de fora para dentro.
Rosacruzes entendem isso. Médicos nem sempre, mas às vezes, mesmo que não sejam rosacruzes, sabem do que estou falando.
Existem coisas que vem de dentro, mais profundas do que aquelas identificadas por Schopenhauer como o erro de Kant, em suas três críticas, a da Razão Pura, a da Razão Prática e a do Juízo.
Kant supunha que a percepção do real era algo horizontal que entrava pelos nossos sentidos, como uma sensação, e aos poucos ia se transformando em uma concepção, ou crença. Em sua sistematização ele dizia que "sensação é o estímulo desorganizado, percepção é a sensação organizada, concepção é a percepção organizada (conhecimento), ciência é o conhecimento organizado e sabedoria é a vida organizada." E quem faz esta organização da sensação, da percepção e da concepção, até que se transforme em conhecimento? A mente, que é assim demonstrada por Kant como um "órgão" real, pré existente em todos os seres humanos, e que faz parte da estrutura neurológica básica. Este conceito, é, inclusive, a base da informática. Todo computador tem um processador, uma "mente" que organiza os dados de diversos softwares que chegam, através de diferentes mídias, cds, pendrives, ou via rede. Sem este processador, as informações não poderiam ser lidas e transformadas nas imagens que contemplamos em nossas telas.
QUADRO III

Schopenhauer, seu admirador e discípulo declarado, na introdução de "O Mundo como Vontade e Representação", passa páginas e páginas se desculpando por ter que corrigir o mestre, mas corrige-o lembrando que os estímulos exteriores que vem de modo horizontal, não são os únicos estímulos que chegam a nossa mente, ao nosso processador.
As sensações que vem do próprio organismo, de modo vertical, sede, fome, desejo sexual, emergem em nossa consciência sem passar pelo ordenação do crivo mental, e são transformadas em pensamentos, num processo conhecido pelo nome de sublimação.
Sensações orgânicas sublimadas se transformam em sonhos ou mesmo pesadelos, mas também podem se transformar em impressões subjetivas que simulam percepções mais profundas. Era disso que eu falava quando me referia a percepções mais profundas que aquelas que os pensadores científicos ortodoxos tipo 2 costumam considerar em suas experiências psicobiológicas.
Quando falo que os místicos buscam compreender e discernir com clareza, todo o tempo, quando uma impressão vem do seu íntimo, refiro-me também à diferenciação entre o que vem do coração ou do estômago. Essa distinção requer alguma prática e experiência. O conhecimento científico e a cultura ajudam, mas não são suficientes. É preciso prática, experimentação.
Não me refiro à coisas óbvias como uma dor ou um desconforto digestivo, mas, por exemplo, os efeitos de uma digestão inadequada em um tipo qualquer de pesadelo, que muitos não conseguem entender, não tem nenhum tom profético, mas apenas refletem a sublimação do caos no fígado e no pâncreas com o excesso de gordura a ser metabolizada.
Refiro-me a média das pessoas, não às mentes mais claras.
Pensar é tão complicado quanto sentir, ambos exigem educação e treino. 
Podemos educar nossa sensibilidade visual, auditiva, tátil. Podemos melhorar também nossa imaginação, nossa sensibilidade estética literária. Aliás isto é absolutamente necessário. Já dizia o poeta "a gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte". E subsídios para a nossa imaginação, eu diria.
O místico equilibrado caminha, pois, no fio da navalha, entre a busca de atender a chamados do coração, que precisam ser identificados e percebidos com clareza, mesmo em meio a estática da racionalidade e das sensações corpóreas sublimadas descobertas por Schopenhauer, que em muito influenciariam o pensamento de Nietzsche e Freud, com sua noção de Id.
É preciso prática para ter clareza nesta distinção entre as sensações e impressões que vem de medos pessoais ou da intuição captativa[2]; o que vem do coração e o que vem da mente.
QUADRO IV

Crenças místicas, portanto, são de dois tipos: aquelas que se baseiam na auto percepção interior profunda, sempre muito bem fundamentadas em uma sensibilidade interior profunda, cardíaca, e aquelas trazidas pela tradição esotérica, às vezes descrições literárias de percepções genuínas do interior e, às vêzes, relatos sem qualquer fundamentação, narrativas fantasiosas e sem possibilidades de correlação com nossa existência.
QUADRO V

Precisamos, portanto, realizar uma Crítica da Tradição Esotérica, ao estilo Kantiano, e separar informações genuínas e íntimas daquelas que são relatos sem base, que não passam de crenças tipo 1, já que não podem ser demonstrados ou sentidos, interior ou exteriormente. Alguns místicos dizem, quando lêem relatos sobre mundos paralelos ou seres transcendentais invisíveis que "sentem que é verdade". A pergunta é: sentem realmente, em seu íntimo, sem que a sua mente e crenças tipo 1 interfiram,ou querem acreditar nessas coisas?
Este é um trabalho desagradável para muitos que vêem na prática mística um refúgio de um mundo racional. Lamento dizer que não é.
E eu já comentei aqui que pronaoi, capítulos e Lojas Rosacruzes, bem como Heptadas Martinistas e Lojas Maçônicas estão cheias de pessoas com pouca ou nenhuma capacidade racional ou bom senso, alguns casos mesmo, beirando a necessidade de intervenção psicoterapêutica ou psiquiátrica.
O misticismo profundo não é um antagonista da razão, mesmo que abrace contradições internas em seus trabalhos esotéricos. Isto tem a ver com a diferença de pressupostos e metodologia em relação ao pensamento científico ortodoxo, apenas isto.
Existem práticas pseudo científicas que devem ser combatidas como danosas à formação de mentes melhores e ao exercício da verdadeira ciência.
Da mesma forma existem práticas pseudo místicas, na verdade, práticas religiosas disfarças de místicas, ou para usar as categorias deste ensaio, Crenças tipo 1 disfarçadas de Crenças tipo 3.
Este tipo de reflexão não implica o início de uma caça às bruxas. Aliás, tal coisa, bruxas, não existem.
Existem apenas diferentes tipos de abordagem do real e de crenças, que precisam pelo menos em nossa mente, ter as suas características bem claras, para que não cometamos erros epistemológicos e confundamos alhos com bugalhos.
Um dos riscos desta falta de clareza é o obscurantismo. Se bem que é comum pensarmos que o obscurantismo é característica apenas de excessos do universo religioso, entre místicos podemos identificar também um equivocado viés obscurantista, como uma intolerância inexplicável com os procedimentos científicos ortodoxos, ou uma atitude antipática a qualquer investigação racional de um fenômeno místico qualquer. Isto é inadequado e revela apenas pouca flexibilidade mental.
Querer que homens e mulheres de ciência, pensadores do tipo 2, vejam da mesma forma coisas para as quais não foram treinados, é no mínimo um equívoco. Seria como pedir a um cego para descrever as cores do arco-íris. Se, por outro lado, nós místicos, pudéssemos oferecer ao meio científico algum elemento palpável de nossa herança, poderíamos conversar e discutir como iguais, acerca de uma base comum.
Pedir a alguém que discuta impressões sutis, pessoais, que só com muito treino podem ser separadas de impressões mentais ou sublimações orgânicas, é no mínimo um disparate.
E vemos ao longo da história do esoterismo e do misticismo, muitos autores queixando-se dos homens de ciência, como se não acreditassem naquilo que eles esoteristas crêem apenas por teimosia. Quem leu o segundo volume da Doutrina Secreta, da edição da Ed. Pensamento, de Helena Petrovna Blavatsky (HPB) ou as primeiras páginas de "O Ministério do Homem Espírito" , o último livro de Louis-Claude de Saint-Martin, de 1802, sabe do que estou falando.
São raciocínios do ponto de vista lógico e humano, infantis.
Querer que alguém veja o que vemos, em um quadro é difícil. Imagine querer que alguém sinta o que sentimos, e refiro-me a sensações muito, muito sutis.
Não há possibilidade de diálogo. Não existem elementos comuns para discussão.
Exigir que pensadores que tem crenças do tipo 2 e do tipo 1 pensem de forma igual é tão descabido quanto sugerir que pensadores do tipo 2 e do tipo 3 comunguem nas mesmas visões.
O que me preocupa, isto sim, é a perigosa proximidade entre pensadores do tipo 1 e 3, que não deveriam ter tanta proximidade, mas que, muitas vêzes, flertam de maneira, pelo menos para mim, assustadora.
O misticismo verdadeiro, aquele que nasce de dentro de cada um, merece melhor destino.
Vigiemos e Oremos.



[1] Vodun ou Vodoun (ortografia Beninense; Vodun / Vodum no Brasil; Vodou, Vaudou ou outras ortografias foneticamente equivalentes no Haiti; Vodu ou Vudu). Em português aplica-se aos ramos de uma tradição religiosa teísta-animista baseada nos ancestrais, que tem as suas raízes primárias entre os povos Ewe-Fon da África Ocidental, no país hoje chamado Benin, anteriormente Reino do Daomé, onde o vodun é hoje em dia a religião nacional de mais de 7 milhões de pessoas. Além da tradição fon, ou do Daomé, que permaneceu na África, existem tradições relacionadas que lançaram raízes no Novo Mundo durante a época do tráfico transatlântico


[2] Chamo aqui a intuição de captativa para diferençar minha compreensão do termo em contraste com suas outras duas significações conhecidas. Em psicologia, " intuição é um processo pelo qual os humanos passam, às vezes e involuntariamente, para chegar a uma conclusão sobre algo. Na intuição, o raciocínio que se usa para chegar a conclusão é puramente inconsciente, fato que faz muitos acreditarem que a intuição é um processo paranormal ou divino. Seu funcionamento e até mesmo sua existência são um enigma para a ciência. " . Já em Filosofia, diz-se intuitivo aquilo que é contemplado sem a interferência de um juízo de valor, como quando abrimos os olhos diante de uma paisagem e a contemplamos, sem tentar discernir a cor do céu, a presença de alguma árvore, ou mesmo os tipos de árvores ou de vegetação a nossa volta. Em misticismo, seja no misticismo oriental como no ocidental, intuição é um processo de captação de informações de uma assim chamada Fonte Universal de Conhecimento, um Google Cósmico, possível de ser consultado a qualquer momento, em qualquer lugar e em qualquer circunstância

sexta-feira, 18 de abril de 2014

T.O.M ou T.O.W ?

por Mario Sales, FRC,SI,CRC



Gostaria que me acompanhassem em um longo raciocínio histórico.
Diz um documento da Tradicional Ordem Martinista que "a Ordem Martinista foi fundada em 1891 por Gerard Encause, mais conhecido pelo nome de Papus(1865-1916) e por Augustin Chaboseau (1868-1946). (...) Desde sua criação , nossa Ordem se encontra sob os auspícios do filósofo desconhecido, ou seja, Louis-Claude de Saint-Martin, grande místico francês do séc.XVIII."
Continua este texto narrando a transição entre o Martinezismo e o Martinismo após a morte de Pasqually:
"Em 1772, questões de família obrigaram Martinès de Pasqually a deixar a França e a ir para Porto Príncipe, no Haiti. Lamentavelmente, o Mestre jamais retornaria desta viagem, pois viria a falecer em 24 de setembro de 1774."
"Entre os discípulos de Martinès de Pasqually dois tentaram , cada um a sua maneira, prosseguir o trabalho de seu mestre. O primeiro, Jean Batiste de Willermoz(1730-1824) que incorporou os ensinamentos técnicos de Pasqually ao rito maçônico da "Estrita Observância Templária", Ordem a qual estava ligado. (o grifo é meu) Após ter reorganizado esta Ordem, lhe deu o nome de "Cavaleiros Benfeitores da Cidade Santa".(...) O outro discípulo que tentou dar prosseguimento à obra de Martinès de Pasqually foi Louis-Claude de Saint-Martin. Profundamente marcado pelos ensinamentos de "seu primeiro instrutor", acreditava, no entanto, que a teurgia não era a melhor via para avançar na senda espiritual. Além disso, desejava colocar as idéias de Pasqually ao alcance de todos os buscadores sinceros, sem obrigá-los a ingressar na Franco Maçonaria. Utilizou para isso, a escrita."
O documento fonte que consulto segue citando as obras de Saint-Martin: de 1775, "Dos Erros e da Verdade" ou "Os Homens restituídos ao Princípio Universal da Ciência"; " O Homem de Desejo", de 1790; "Ecce Homo", de 1792, curiosamente um título idêntico ao de um livro de Friederich Niezsche, expressão retirada de uma fala de Pôncio Pilatos, que em Latim ao mostrar Jesus ao julgamento da turba diz:"-Eis o homem."; "Novo Homem", também de 1792; " "O Ministério do Homem Espírito", seu último livro de 1802.
Este relato, aqui reproduzido, possui, efetivamente, três partes. Na sua segunda parte, adverte ele, novamente, que "...Louis-Claude de Saint-Martin não criou uma organização iniciática, mas transmitiu uma iniciação própria baseada nos ensinamentos que recebeu de Martinez de Pasqually e em sua própria experiência espiritual. Foi assim que, em 1795, se constituiu em torno dele um grupo informal (ou seja, espontâneo) - ao qual algumas cartas de seus amigos fazem alusão - com o nome de 'Círculo Íntimo' ou 'Sociedade dos Íntimos'. A iniciação transmitida pelo Filósofo Desconhecido se perpetuou então de forma confidencial, de Iniciado a Iniciado."(os grifos são sempre meus).
A história de Willermoz é diferente.
Segundo um artigo do site Hermanubis[1], "...Willermoz era, em primeiro lugar, um discípulo esforçado, dedicado aos estudos; em segundo (lugar), foi um grande organizador de sistemas iniciáticos, grande pesquisador, ativo e prático; pela relação com Dom Pernety, deu uma impregnação alquímica ao seu sistema maçônico cujo objetivo era alcançar a iluminação, realizar a Grande Obra. Em uma viagem à Paris, em maio de 1767, encontrou Bacon de la Chevalerie, substituto da Ordem dos Elus-Cohens do Universo, no Grão Mestrado. Foi nessa oportunidade que contatou pela primeira vez com a doutrina de Martinez de Pasqually. Tinha 37 anos de idade quando foi iniciado por Pasqually na Ordem dos Elus Cohens, em cerimônia realizada em Versailles, proximidades de Paris. Bacon colocou Willermoz em contato também com outros irmãos e, juntamente com seu irmão Pierre Jacques, entraram na nova Sociedade, cujo chefe era Pasqually, um dos sete chefes soberanos universais da Ordem, como ele próprio se apresentava. Iniciado há 18 anos na Maçonaria e possuidor de todos os seus graus, compreendeu que até aquele momento nada sabia da Maçonaria essencial e que havia um vasto campo de conhecimentos a percorrer. Seus conhecimentos de alquimia, uma ampla base de conhecimentos de simbolismo maçônico e do ocultismo em geral, permitiram-lhe destacar-se rapidamente na Ordem dos Elus Cohens do Universo. As teorias expostas por seu novo Mestre respondiam aos desejos secretos que possuía e a tudo aquilo que sempre procurou. A nova Ordem tinha prescrições particulares para seus discípulos: era vetado o consumo de sangue, dos rins, e da graxa (gordura) dos animais, recomendava a prática mundana (sexo) com moderação; e duas vezes por ano praticavam um rigoroso jejum; abstinham-se de toda alimentação algumas horas antes de seus trabalhos. Pasqually concedeu-lhe o direito de estabelecer uma Grande Loja do novo rito em Lyon e deu-lhe o título de Inspetor Geral do Oriente em Lyon e fez com que entrasse como membro não residente do Tribunal Soberano de Paris. Em 13 de março de 1768, Bacon de la Chevalerie ordena Willermoz no Grau Rosa Cruz."
O texto acima continua, descrevendo os movimentos de Willermoz, na intenção de organizar em uma Ordem, os ensinamentos de Pasqually, enfraquecidos na sua ausência, por causa da viagem a São Domingos.
" Face à decadência da parte externa da Ordem dos Elus Cohens, ocorrida a partir do ano de 1772, com a partida de Pasqually para S. Domingos, Willermoz encontrou no sistema maçônico um substituto à altura. Nesse novo sistema, pretendia espargir as luzes recebidas na senda interior dos Elus Cohens e receber também a manifestação do Agente Invisível; Willermoz retirou, a partir dessa época, os melhores ensinamentos de suas operações e a luz começava a brilhar no seio das trevas. Como a Ordem dos Elus Cohens, a Estrita Observância Templária (E.O.T) possuía dez graus, sendo: três simbólicos, três intermediários e quatro superiores, esta última classe, de origem templária.(o grifo é meu)
Willermoz obteve a corrente de Jacob Boheme ao ser iniciado por Salzmann e confirmado na linha mais antiga dos Templários, ao associar-se com a E.O.T. Willermoz (além disso) recebeu o grau de Grande Professo no Convento de Gaules, realizado em Lyon entre 25 de novembro a 10 de dezembro de 1778; também conseguiu com Salzmann, que se introduzisse após o sexto grau da E.O.T, os dois graus denominados: Professo e Grande Professo que continham a doutrina da Ordem dos Elus Cohens. A E.O.T da região de Auvergne (Lyon) ficou conhecida pelo nome de Cavaleiros Benfeitores da Cidade Santa ou Maçonaria Retificada. Os graus simbólicos ficaram sendo quatro: Aprendiz, Companheiro, Mestre e Mestre Escocês; a classe superior ficou denominada: Cavaleiro Professo e Grande Professo. Willermoz, tendo conseguido introduzir no sistema maçônico de Lyon, da E.O.T, a filiação espiritual e doutrinária de Pasqually, tentou fazer o mesmo no resto das obediências maçônicas."
Neste trecho, o documento comenta a organização por Willermoz do Rito Escocês Retificado(R.E.R), que buscava unir ocultismo e cristianismo, algo que remete às práticas de algumas Tradições contemporâneas.
Diz mais este texto: " No convento de Wilhemsbad, aberto no dia 14 de julho de 1782, Willermoz encontrou o apoio precioso dos dois príncipes dignatários da E.O.T, os irmãos: Ferdinand de Brunswick, que presidiu o Convento, e Charles de Hesse, (dos quais) recebeu a missão de organizar o R.E.R e, (pelos quais) foi designado Soberano Delegado Geral do Movimento para a região de Lyon. Conseguiu também que todos os irmãos da Ordem Interior recebessem o título de Cavaleiro Benfeitor da Cidade Santa. E no novo conjunto de graus, no número de sete, continha todo o sistema doutrinário de Pasqually, organizado inteiramente em Lyon através de(le mesmo), Willermoz, (de) Saint Martin, Grainville, Savaron e outros (sistema o qual), a partir do Convento de Wilhemsbad, passou a ser adotado igualmente em toda a Alemanha e resto da França. O título "Cavaleiro Benfeitor da Cidade Santa" originou-se do nome da Loja "La Bienfaisance"(Bondade, Beneficência), de Lyon, que abrigou os primeiros cavaleiros."
Este é o perfil de Willermoz: maçon e organizador de Ordens e Tradições. Era sua natureza operacionalizar em grupos o que para Saint-Martin era um conhecimento transmissível de pessoa a pessoa, sem rituais, sem templos, através de "uma iniciação própria baseada nos ensinamentos que recebeu de Martinez de Pasqually e em sua própria experiência espiritual", segundo dito.
Não era da Natureza de Saint-Martin criar uma Ordem com suas características gradações de grau, reuniões templárias e textos protocolares. O mais perto que chegou disso foi o já citado 'Círculo dos Íntimos', que em nada se parece com o trabalho willermoziano ou com uma Ordem padrão.
Como Willermoz e Saint-Martin, além de correspondentes, eram amigos, e se irmanaram como discípulos do mesmo Mestre, Pasqually, supõe-se que ambos teriam as mesmas influências e que, portanto, não haveria problema de tomar como referência a obra de Saint-Martin dentro de uma possível Ordem Willermozista.
Por isso é no mínimo curioso, mas não inexplicável, que uma Ordem construída com bases organizacionais em tudo e por tudo Willermozianas, receba o nome, por Papus, de "Martinista". Dentro da Tradicional Ordem Martinista (TOM), sem prejuízo de seu nome, poder-se sem problemas debater textos de muitos e importantes ocultistas, entre eles o meu preferido, o Marques Stanislas de Guaita. Nem por isso a Ordem Martinista se chama Ordem Stanislas-Guaitista; ou, seguindo o mesmo raciocínio, Ordem Bohemista.
Façamos aqui um parêntese para demonstrar mais uma vez a estrutura willermosiana da T.O.M, ao contrário do caráter essencialmente pessoal da verdadeira iniciação de Saint Martin.
Em um texto publicado no site http://odesvelado.blogspot.com.br/, lemos o trecho que se segue:
"O Ressurgimento do Martinismo"
"Em 1882, Augustin Chaboseau, homem de linhagem Bretã, poliglota dotado de uma extraordinária memória, Doutor em Letras, e na época bibliotecário do Museu Guinet, em companhia dos místicos, Jean Moréas, e Charles Maurras, conheceram Papus, e através de ideais em comum (Politica, Ocultismo, Magia, Ciências Herméticas, etc.), desenvolve-se uma cordial amizade que se perpetuava através de um costume de almoçarem juntos todas as terças feiras num pequeno restaurante da Rive Gauche, (...) do Rio Sena (comentário meu: quem sabe o Aux Carpentier que é de 1856 e existe até hoje) 


Restaurante Aux Carpentier, na margem esquerda do Sena, um dos mais antigos

Foi justamente nesse cenário, falando de tudo e de todos, que por acaso (?)[2], Papus e Chaboseau descobriram serem ambos herdeiros legítimos da tradição doutrinária de Louis Claude de Saint-Martin. Empreendedor dos ideais esotéricos, Papus ao constatar tal fato em comum com Chaboseau, receando que essa tradição se perdesse com o tempo (fato que já vinha ocorrendo com muitas vertentes esotéricas), resolveu fundar uma Ordem Iniciática, que seria uma reestruturação da tradição de Louis Claude de Saint-Martin. O sistema doutrinário instituído por L.C. de Saint-Martin na Sociedade dos Filósofos Desconhecidos, devido a sua pessoa, em reestruturação no século XIX ficou conhecido e denominado por Martinismo (quanto a isto discutiremos mais a frente). Segundo os anais da tradição de Saint-Martin, havia um elo, ou melhor, um vácuo na linhagem de Papus, pois pela seqüência, existia um mistério em relação à pessoa que teria iniciado o Dr.Encausse, Henri Delaage, que morreu em 1882, após conferir a livre iniciação a Papus. Assim em 1888, Augustin Chaboseau (que seria um membro do Conselho Supremo original da Sociedade dos Filósofos Desconhecidos) e o Dr. Encausse (Papus) trocaram Iniciações pessoais para consolidar a sucessão.
Então, a Ordem Martinista reorganizada por Papus, Chaboseau e seus companheiros, fundada durante o período de 1882-91, se constituiu inicialmente de duas linhagens espirituais advindas de Saint Martin:
Linhagem 1: (Supostamente conferida a Papus pela iniciação herdada por Henri Delaage).
1.Louis-Claude Saint Martin (1743-1803)
2. Jean-Antoine Chaptal (morto em 1832)
3. X (? - Suposto Iniciador de Henri 
Delaage)
4. Henri Delaage (morreu 1882)
5. Dr. Gérard Encausse
Linhagem 2: (Conferida a Augustin Chaboseau pela iniciação herdada por Amélie de Boisse-Mortemart, prima de seu pai).
1. Louis-Claude de Saint Martin (1743-1803)
2. Abbe de la Noue (morreu 1820)
3. J. Antoine-Marie Hennequin (morreu 1851)
4. Adolphe Desbarolles (morto em 1880)
5. Henri de la Touche (Paul-Hyacinthe de Nouel de la Touche) (morto em 1851)
6. A marquesa Amélie de Mortemart Boisse (neta de Henri de la Touche o iniciador de Honoré de Balzac no martinismo).
7. Pierre Augustin Chaboseau . "
Pessoa a pessoa, este era o estilo martinista.
                        

Uma última análise, referente a questão da Sociedade dos Filósofos Desconhecidos, que vimos a pouco, e que alguns consideram Saint Martin, fundador.
Remeto-os ao artigo publicado em http://www.hermanubis.com.br/artigos/BR/artigoportugues004SaintMartinfundouounaoumaOrdem.htm que discute exatamente este assunto.
É de lá que retiro o seguinte trecho:
"Há entre os historiadores Martinistas um debate bastante caloroso versando se Saint Martin fundou ou não uma Ordem. Neste artigo iremos reproduzir as constatações daqueles que consideram os Círculos de Íntimos como sendo uma Ordem:
"A existência de uma "Ordem Martinista" fundada por Saint-Martin, é negada por todos os autores sérios". Tal é a conclusão das pesquisas filosóficas efetuadas pelo Sr. Van Rijnberk. Não podemos taxar este autor de parcialidade, pois ele mesmo se declara "inclinado a admitir" o fato controverso. Mas, é preciso reconhecer a ausência de todo estudo aprofundado da questão, devido talvez, à falta de suficiente documentação. O Sr. Van Rijnberk, preencheu esta lacuna e encerrou a discussão.
Com efeito, num segundo estudo, o Sr. Van Rijnberk, resume-se assim: "As iniciações individuais de Saint-Martin, consideradas por muitos como simples lendas, são uma realidade patente".
Enviaremos, para todas as discussões de documentos, as criticas de testemunhos, etc., os relatórios do Sr. Van Rijnberk, conduzido segundo o mais sadio método histórico. Indicaremos textos aos quais ele se refere para provar a existência de uma ordem Martinista, de uma ordem de Saint-Martin.
1º) Entre os documentos que poderíamos qualificar de exteriores, encontramos:
1 - Um texto das Memórias do Conde de Gleichen, o qual relata que Saint-Martin tinha estabelecido uma pequena escola em Paris.
2 - Um artigo de Varnhagem von Ense, datado de 1821, onde se lê: "Ele (Saint-Martin) decidiu ... fundar uma sociedade (comunhão), cuja meta seria a espiritualidade mais pura, e pela qual começou a elaborar à sua maneira, as doutrinas de seu mestre Martinez".
3 - Uma carta, cujo autor é desconhecido e que foi endereçada em 20 de dezembro de 1794 ao professor Köster. Nela se fala de "Saint-Martin e dos membros de seu círculo íntimo".  Trata-se, em termos apropriados, de uma "Sociedade de Saint-Martin" e de uma filial Strasburgiana desta mesma sociedade. Anexemos a estes documentos, muitas vezes inexatos nos detalhes, mas, unânimes em afirmar a existência de uma sociedade de Saint-Martin, a sucinta nota necrológica do Journal des Débats. Está assim redigida: "Paris 13 Brumário... o Sr. de Saint-Martin, fundador na Alemanha de uma seita religiosa conhecida com o nome de Martinista, acaba de falecer em Aulnay próximo a Paris, na casa do senador Lenoir Laroche. Ele adquirira alguma notoriedade por suas exóticas opiniões, sua dedicação aos devaneios dos iluminados e seu livro ininteligível "Dos Erros e da Verdade". Notar-se-á que se menciona uma seita religiosa e não maçônica. A Sociedade a qual o redator do Journal des Débats atribui a formação do Filósofo Desconhecido, não tem, pois, nada em comum com o pretenso rito maçônico de Saint-Martin. (49) Nenhum dos documentos indicados acima, sugere, aliás, esta identificação.
Citemos, enfim, a curiosa história do Cavaleiro d'Arson. Acha-se narrada na sua obra "Appel à l'humanité". Preciosa para entender o espírito da Ordem Martinista, fornece, também, um documento histórico sobre a Sociedade de Saint-Martin em 1818. Vê-se, com efeito, nesta obra, que naquela época, os discípulos do Teósofo liam suas obras, aconselhando à sua leitura e agiam em torno delas como verdadeiros Superiores Desconhecidos.
2º) Mas o Sr. Von Rijnberk, recebeu outras informações do Sr. Augustin Chaboseau, até a época inéditas, sendo publicadas no tomo II de Martinez de Pasqually. Elas comprovam a existência de uma iniciação transmitida por Saint-Martin, diferente da iniciação Cohen.
Deste quadro resulta que a iniciação dos Martinistas atuais, iniciados pelo Sr. Augustin Chaboseau, é, incontestável, e aliás, incontestada. A dos Martinistas de Papus, à medida que se unam à única subdivisão de Chaptal-Delaage, e, na medida em que o próprio Papus se liga a esta única subdivisão, está obscurecida por uma dúvida. Chaptal, com efeito, morreu em 1832 e não pôde iniciar Delaage, que nascido em 1825, tinha, então, sete anos. O próprio Papus diz "que um dos alunos diretos (de Saint-Martin), o Sr. de Chaptal, foi avô de Delaage", mas não indica com precisão que ele deveria tomar a posição paterna.
De fato, a regularidade Martinista de Papus é certa, porque ele não possuía somente a hipotética filiação de Delaage. Augustin Chaboseau, assinalou num artigo inédito este ponto na história do Martinismo contemporâneo. Ele relata que Gérard Encausse e ele, trocaram suas iniciações, conferindo-se, reciprocamente, o que cada um deles havia recebido. Pode-se, pois, dizer que se Papus era validamente detentor da iniciação da Saint-Martin, ele o devia a Augustin Chaboseau.
Certas tradições e outros fatos, ligam Saint-Martin e a Ordem Martinista à Companhia dos Filósofos Desconhecidos. Saint-Martin, estaria unido pelo canal de uma iniciação cerimonial a Salzmann, a Boehme, a Sethon e a Khunrath. O que se poderá pensar desta genealogia? Não é nossa tarefa fazer-lhe a crítica; é trabalho para um historiador. De resto, a questão pouco nos importa. Se Saint-Martin criticou todas as peças da iniciação Martinistas, ninguém poderá discutir sobre seu direito e seu poder. Se a iniciação de Saint-Martin leva em si o influxo de Martinez ou do Cosmopolita(?), isto é totalmente supérfluo. Porque a originalidade de Saint-Martin é tal, e tal é a força de sua personalidade que ocultariam e removeriam as relações anteriores. Saint-Martin pôde ser visto (em) uma iniciação já praticada com os seus discípulos, como denominamos aqueles Superiores Desconhecidos, sem lhes dar nenhuma prerrogativa administrativa e honorífica, primitivamente ligadas a este título. Mas a concepção que Saint-Martin tinha da iniciação e do Superior Desconhecido, eis o que o Teósofo transmitiu e o que é essencial. Qualquer que seja o veículo, a iniciação Martinista está totalmente penetrada pelo espírito de Saint-Martin. É necessário e suficiente que ela se refira, efetivamente a ele. Tais são os fatos mais seguros no que diz respeito à questão tão longamente debatida da Ordem Martinista. Resta depois da prova de sua existência, pesquisar sua natureza, sua organização, seu espírito, em uma palavra, as ligações do Martinismo, como nós o definimos, e da Ordem Martinista, que pretende ser sua continuadora."
Considerando este comentário, deduzo particularmente que, mesmo levando-se em conta os tais Círculos Íntimos, nenhuma Ordem no modelo Maçônico, com um templo, Oriente e rituais, jamais foi criada por Saint-Martin, pois este era seu objetivo declarado: evitar que os interessados no esoterismo de Martinez fossem obrigados a se filiar a Maçonaria, Retificada ou não.
Portanto, pelo aspecto formal e organizacional da T.O.M, mais justo seria que ela invertesse de ponta cabeça a sua última letra, o M, mudando-o em W, passando a chamar-se Tradicional Ordem Willermozista (T.O.W), já que, este sim, deu-se ao trabalho de dispor em encontros templários a transmissão dos ensinamentos aos quais teve acesso, juntamente com Saint-Martin e outros.
A misteriosa razão pela qual Papus chamou a sua Ordem de Ordem Martinista, nesta época ainda sem o adjetivo "Tradicional", talvez se justifique pela sua admiração pessoal pelo nobre espiritualista, mas historica e factualmente, trata-se de uma injustiça e uma incorreção.
Injustiça e incorreção por não ser justo atribuir a Saint-Martin interesse em organizar Ordens sistematizadas. Repetindo: Saint-Martin, como os rosacruzes contemporâneos, já naquela época sabia que o caminho de cada místico e de cada esoterista é algo essencialmente pessoal, não podendo ser amarrado em um sistema de graus ou em reuniões agendadas com pauta pré definida.
Esta noção (vestir o misticismo espontâneo com a roupa de uma Ordem qualquer) é, além de ingênua do ponto de vista místico e esotérico, tipicamente maçônica.
Embora Saint-Martin também fosse maçon, ele pensava como um rosacruz, uma das mais verdadeiras vias cardíacas do universo esotérico e místico. Dessa forma, um esforço organizacional avançado, que fornecia, ao mesmo tempo, um conhecimento sistematizado na forma de monografias enviadas pelo correio para a residência dos membros interessados, sem a obrigatoriedade de comparecimento a um templo, a não ser que assim pedisse seu coração, foi uma solução brilhante, salomônica e digna de Saint-Martin, embora tivesse o dedo do gênio organizacional de Harvey Spencer Lewis.
Nunca passou pela cabeça de Saint-Martin, pelos relatos históricos colhidos, reunir seus iguais em templos fechados, em cerimônias secretas e presenciais.
E porque Papus o fez? Porque usando o nome de Saint-Martin fundou uma Ordem, na verdade, Willermoziana?
Sua intenção é compreensível. Havia em Paris e na França, naquela oportunidade, uma demanda reprimida por conhecimentos esotéricos palatáveis já que o grande movimento de época, a Sociedade Teosófica, era por demais ampla e orientalizada em seus fundamentos, valendo-se de conceitos e categorias ligadas a tradição vedântica, pouco familiar aos franceses, que, na época, eram o centro cultural do mundo. Foi uma decisão local, consciente, reerguer das cinzas um movimento essencialmente cristão, ocultista e francês, de forma a drenar os descontentes com as confusas narrativas de Helena Petrovna Blavatsky (HPB), não essencialmente cristã, também ocultista, mas russa, para conceitos mais familiares aos ocidentais
A Ordem Martinista de Papus logo teve sucesso no meio esotérico, e muitos dos seus membros eram teósofos ou ex teósofos. Não quero com isso afirmar que esta fosse a única intenção de Papus e Chaboseau ao reabrir a Ordem Martinista no final do século XIX, mas não se pode negar que, caso seu interesse fosse apenas esotérico místico, republicariam as obras de Saint-Martin, divulgariam seu pensamento em livros que comentassem suas idéias,  estratégia esta muito mais condizentes com a idéia de transmissão iniciática que Saint-Martin abraçava, sendo que, a organização de uma Ordem Material, com graus, com sede física e endereço em Paris contemplava, ao contrário, práticas e protocolos maçônicos de inspiração Willermozianas.
Por isso, mudemos em nossas mentes o nome de nossa Ordem, por uma questão de justiça para T.O.W.
Trata-se, como vimos pelos relatos apresentados, de um ato de justiça histórica.


[1] http://www.hermanubis.com.br/Biografias/BioJeanBaptisteWillermoz.htm
[2]   Fraternitas Thesauri Lucis - FTL Segundo registros dos arquivos da Ordem Martinista, em 1897, Papus, Marc Haven e Paul Sédir tinham em mãos documentos referente a um sistema iniciático misterioso, com bases na tradição cristã da Rosa+Cruz. Apesar de ter sido organizada por Papus, quem assumiu a direção da Fraternitas Thesauri Lucis foi Sedir. Pouco se sabe a respeito dessa organização, e de seus demais membros. Erick Sablé em seu ‘Dicionário Rosa+cruz’- (Ed. Madras) afirma que a iniciação conferida pela F.T.L era essencialmente cristã.