Por Mario Sales
“Gosto de dizer. Direi melhor: gosto
de palavrar. As palavras são para mim corpos tocáveis, sereias visíveis,
sensualidades incorporadas. (...)
Não tenho sentimento nenhum político
ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriótico. Minha
pátria é a língua portuguesa.”
“Gosto de Dizer”, Fernando Pessoa, pela
boca do heterônimo Bernardo Soares, Livro do desassossego”
“Gosto de sentir a minha língua roçar
a língua de Luís de Camões
Gosto de ser e de estar
E quero me dedicar a criar confusões de prosódias
E uma profusão de paródias
Que encurtem dores
E furtem cores como camaleões
Gosto do Pessoa na pessoa
Da rosa no Rosa
E sei que a poesia está para a prosa
Assim como o amor está para a amizade
E quem há de negar que esta lhe é superior?
E deixe os Portugais morrerem à míngua
Minha pátria é minha língua
Fala Mangueira! Fala!”
Gosto de ser e de estar
E quero me dedicar a criar confusões de prosódias
E uma profusão de paródias
Que encurtem dores
E furtem cores como camaleões
Gosto do Pessoa na pessoa
Da rosa no Rosa
E sei que a poesia está para a prosa
Assim como o amor está para a amizade
E quem há de negar que esta lhe é superior?
E deixe os Portugais morrerem à míngua
Minha pátria é minha língua
Fala Mangueira! Fala!”
Trecho do poema “Língua”, de Caetano
Veloso
Meus textos são reuniões sociais de palavras, das quais eu
participo.
Dialogo entre um canapé e uma bebida com objetos diretos e indiretos,
com indiretas de sujeitos sem predicado.
Óbvio, eu estou lá por elas e não elas por mim.
As palavras, via de regra, tem uma vida própria, planos e
intenções.
Não por outra vivem em bandos, andam juntas, de forma a
estabelecer para elas e para quem as lê uma imagem e um sentido, embaixadoras
como são das idéias que lhes precedem.
Nenhuma palavra, sozinha, pode fazer o que um grupo delas
consegue. Nenhuma palavra que não esteja em relação com outras tem a mesma
intensidade, a mesma presença de uma frase pronta e acabada.
Linha após linha, textos são construções com forma,
densidade e personalidade, que causarão impacto em uma, duas, ou centenas de
pessoas que os contemplem.
Naqueles textos poéticos, vemos um instantâneo de um
coração, de um sentimento que flui na vida real e que parou por uma simples
condescendência de sua parte, para mostrar-se e ser visto. Palavras são reflexo
da vaidade das emoções que não suportam a condição de anonimato.
Toda emoção não expressa gera sofrimento, desconforto.
Textos, mesmo aqueles técnicos, são emoções coaguladas;
embora objetivos e científicos, refletem a tensão de quem os fez, acuado pela
necessidade de nexo e clareza, pela obrigação de fidedignidade a verdade dos
fatos, às teorias vigentes, aos consensos da época.
Talvez aqueles textos que tentam parecer os mais frios
possíveis sejam os mais fortemente passionais, já que a energia que levou a sua
realização é a energia da descoberta, seja de um fato ou de um conceito, a
satisfação de poder compartilhar uma conquista, uma descoberta, enfim uma
realização que dará prestígio ao seu autor.
Ou não. Daí a tensão, mascarada por termos e expressões
equilibradas, falsamente neutras e impessoais.
Nenhuma conquista do espírito humano é órfã.
Órfão é o fracasso, a derrota, o erro, não a vitória.
Esta, não só tem pais, mas também avós e bisavós.
As palavras também nunca estão órfãs.
Elas são filhas de alguma angústia, de algum conflito ou de
um desejo não realizado fisicamente e que se sublima na palavra escrita.
Quando a angústia se deita com o gênio uma obra prima é
gerada. E sua presença no mundo marcará de forma indelével a vida de milhares
de pessoas que terão o prazer de conhece-la.
Sim, prazer. Um texto bem escrito, uma idéia bem descrita, é
sempre um deleite, como uma brisa fresca em um dia quente, um oásis no deserto de
mediocridade do nosso cotidiano.
Os textos que produzimos, são lançados como flechas a
distâncias que não conseguimos supor. E quando saem de nosso arco, rápidas,
ganham vida própria, e evoluem, alimentadas pelas variadas interpretações e
simbolismos que despertarão em diferentes seres humanos.
Os textos nascem como significação mas se desenvolvem e
crescem nas conotações, nos diferentes efeitos que, desde que fecundo, possa causar,
de acordo com os contextos, as reuniões de que eu falava, as quais possa vir a
frequentar.
Como entidades vivas, palavras não subsistem sem outras
palavras, sem complementos, sem conjunções, sem artigos que a acompanhem e que
as definam.
Palavras sempre estão acompanhadas, a solidão lhes é tão
nociva quanto a nós mesmos. Precisam umas das outras, se necessitam, se
procuram. Sem inibição ou pudores.
Sem preconceitos, a não ser as regras da sintaxe.
Seu único compromisso é com a beleza e com a elegância.
Palavras são a matéria na qual elaboramos nossos sonhos e
nossa imaginação.
Que o Eterno abençoe as letras, as palavras e os textos,
nosso sustento no vazio da existência.
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