Bernardo: Gostaria de dar também as minhas boas vindas e de dizer da alegria de estar em ambiente fraterno com membros dessa Ordem milenar, tão nobre , pra nós , tão importante.
Comenius: Tomando emprestada a fala de Bernardo, é dada a importância que todos aqui dão à Ordem que eu gostaria pedir a vocês uma participação tão intensa quanto a do primeiro seminário. Queiram por favor começar as suas colocações. Lembrem-se, não existem assuntos proibidos.
Frater Marcelo: Boa noite e paz profunda frateres, meu nome é Marcelo e gostaria de fazer algumas colocações.
Bernardo: Vamos lá.
Frater Marcelo: Eu tenho pra mim que o que mais me encantou na minha afiliação à Ordem foi a alegria de seus membros na vida profana, a maneira fraterna como se relacionam entre si. Esta alegria, na minha opinião, tem como causa primeiramente a relação madura que o rosacruz tem com a prática mística, a qual garante a falta de dogmas e princípios obscuros no discurso interno da ordem. Todo nosso corpo de doutrina,(porque os rosacruzes têm uma doutrina sim, ao contrário de uma propaganda que, faz alguns anos, foi distribuída dentro da ordem), é apoiado em dois grandes pilares: tolerância e estímulo à reflexão. Rosacruzes, por definição, são pensadores livres. Isto faz com que eles sejam céticos de forma metodológica, considerando com muito cuidado aquilo que vem da própria ordem, e testando as técnicas que lhe são ensinadas.
Comenius: Queria ter a mesma fé que o frater na capacidade crítica de nossos membros.
Frater Marcelo: O frater acha que não é desse modo que os Rosacruzes se comportam?
Bernardo: Frater, o que Comenius diz é que ele e eu também gostaríamos que fosse assim, como o frater diz, em toda a Ordem mas que o nosso corpo de membros é heterogêneo e nem sempre somos abençoados com frateres e sorores com este espírito científico e inquisitivo que o frater gentilmente descreve. Mas por favor, continue seu raciocínio.
Frater Marcelo: Entendo. Agradeço. Bom, eu queria dizer que por causa desta idéia que eu fazia até agora do perfil de nossos membros , sempre olhei com desconfiança e até com um pouco de tristeza quando membros da ordem, dentro de corpos afiliados, usam um discurso espiritualista cheio de características estrangeiras às doutrinas da ordem, com tons, e eu digo isto sem nenhum preconceito contra outras doutrinas, ora kardecistas, ora católicos, como se estes discursos fossem discursos eminentemente rosacruzes. O que os frateres acham disso? Estamos exagerando na nossa tolerância e nos tornando permissivos por omissão?
Comenius: Muito interessante sua colocação. E isto por várias razões. Eu gostaria de trabalhá-las com muito carinho.
Primeiro: o frater tem absolutamente razão ao dizer que em um ambiente heterogêneo como o corpo afiliado ouvimos os mais variados tipos de discurso, muitas vezes ligados a outras linhas de pensamento, como se fossem rosacruzes. Isto, na minha opinião, faz parte do cadinho alquímico que é a afiliação rosacruz. Provavelmente nunca será diferente.
Aqueles que procuram nossos portais estão em busca de ampliar seus horizontes espirituais e pessoais.
Deparam-se, ao entrarem na Ordem, com um dos mais formidáveis mananciais de cultura mística já reunido ao longo de centenas de anos. Este manancial de informações é o corpo de doutrina rosacruz, a soma de todos os nossos conhecimentos. Óbvio, este conjunto de informações é imenso e somente depois de alguns anos poderão falar com alguma segurança uma linguagem rosacruz propriamente dita. Ora, neste meio tempo, estes frateres e sorores recém chegados a Ordem só poderão conversar em suas próprias línguas de origem, até que, pouco a pouco, vão sendo iniciados nos segredos mais profundos, e vão naturalmente se transformando em verdadeiros rosacruzes. Alguém, na minha opinião, que chegue a Ordem sem essa bagagem espiritual anterior teria mais dificuldade de fazer esta transição, porque uma base espiritualista é necessária, seja ela qual for , para dar a partida nas transformações necessárias que levarão o homem chumbo ao homem ouro.
É claro que a mesma bagagem que fornece um estofo inicial para o processo iniciático também é um entrave a este mesmo processo, mas a depuração deve ser gradual, nunca brusca.
Os processos de cada indivíduo são diferentes, personalizados , e por isso, em cada corpo afiliado, constataremos a existência de um sem número de frateres e sorores simultaneamente em processo de depuração alquímica, relacionando-se em ambiente em princípio fraterno, protegidos pela egrégora. É por isso, que embora raras vezes, eventualmente surgem algumas rusgas que devem ser contornadas, dentro da maior liberdade possível e na mais ampla tolerância.
Frater Marcelo: Entendo. Fases de evolução diferentes, personalidades heterogêneas em relacionamento, em ambiente de tolerância. Eu compreendo isto, mas o que me chama atenção é que pessoas de níveis mais altos da Ordem, ou seja, aqueles que já não são neófitos, ainda arrastem consigo valores que não são essencialmente rosacruzes como uma certa aversão à prosperidade, uma espécie de culto a simplicidade física como base da espiritualidade, etc, que são características de outras linhas de pensamento que não a nossa.
Bernardo: Concordo. Só que a nossa interpretação continua sendo a mesma que Bernardo defendeu há pouco: pessoas diferentes em diferentes fases de evolução. O fato de terem anos de Ordem não lhes dá automaticamente a capacidade de serem chamados de rosacruzes , digamos assim, ortodoxos, embora este termo seja bastante inadequado. No momento vou usá-lo porque se ajusta a sua ponderação. Veja, frater, é esta riqueza de caracteres que temos dentro de nossa Ordem que garante a sua complexidade. E se não formos capazes de vivermos em meio à heterogeneidade humana não seremos rosacruzes verdadeiramente.
Frater Marcelo: Entendo.
Comenius: Por outro lado, não há dúvida que a falta de clareza quanto aos princípios rosacruzes pode ser conseqüência de um estudo deficiente de nossas monografias. Esta possibilidade não podemos de forma alguma afastar. Eu não digo que todos nós sejamos absolutamente rígidos com nossos estudos e que tenhamos estudado de maneira disciplinada todas as inúmeras monografias que recebemos, mas com certeza muitos de nós não chegaram nem perto do básico. Pela falta de conhecimento doutrinário específico rosacruciano, acabam criando um discurso híbrido, permeado de princípios rosacruzes misturados com suas próprias convicções religiosas ou filosóficas, em suma, um monstrengo que nada tem a ver com o rosacrucianismo verdadeiro.
Muitos , por ter habilidade e influência, falam sobre estes assuntos com muita autoridade, dando a impressão que seus comentários refletem posições oficiais da Ordem.
Isto é grave, mas eu pergunto: como evitar tal coisa? Só um ambiente facista pode ter a ilusão de tentar controlar pensamentos, palavras e condutas.
Os rosacruzes são uma escola mística, de estudantes e sábios, que, em sã consciência, jamais poderiam ter uma atitude de intolerância.
Portanto, heterogeneidade não é o problema mas os equívocos continuarão , e teremos de conviver com eles até que uma profunda reformulação em nossos meios de ensino e verificação seja implantada.
Frater Marcelo: Em que sentido?
Bernardo: Tanto eu como Comenius achamos que deveria haver uma verificação mais cuidadosa e constante da apreensão verdadeira do conteúdo das monografias.
Frater Marcelo: De que modo?
Comenius: Aplicando testes ao final de cada grau de estudo e verificando um mínimo de conhecimentos antes de permitir o progresso do estudante a níveis mais elevados. Acreditamos, eu e Bernardo, que este é o nó a ser desatado.
Bernardo: É verdade.
Frater Marcelo: Entendo.
Comenius: A qualidade teórica de nossos membros , ao nosso ver , é diretamente proporcional ao rigor com que verificamos o real aproveitamento de seus estudos, e inversamente proporcional à liberdade para prosseguir em seus estudos.
Portanto, não devemos confundir rigor na verificação da qualidade de nosso aprendizado com perda de liberdade. Minha preocupação é apenas melhorar nosso desempenho educacional. Afinal de contas, mística ou não, a Ordem Rosacruz antes de qualquer coisa é uma escola.
Bernardo: Uma coisa que eu também gostaria de comentar é que quando o trabalho das monografias é mal realizado existe um prejuízo, sim, do nosso aprendizado, que muitos acham que seja compensável pela simples convivência na egrégora e pela força dramática e didática das iniciações em templo. Eu entendo que , caso tivéssemos mais cuidado com a preparação de nossos membros, via monografia, teríamos um aproveitamento nas iniciações ainda maior do que aquele desprovido deste preparo. Nossas monografias não são apostilas intelectuais. São contribuições em texto ao desenvolvimento da sensibilidade do frater e da sóror que as estudam. Fora o fato de que a monografia é lida no Sanctum do Lar, uma situação absolutamente diferente de uma leitura casual de um jornal: existe o cerimonial de abertura, o clima criado pelo incenso e pelas velas, o estado respeitoso que os rosacruzes assumem, automaticamente, ao entrarem no ambiente do Sanctum. Tudo isso torna a monografia uma experiência mais emocional e mística que intelectual.
Comenius: O fato é que nenhum de nós, provavelmente, passaria no teste de nos submetermos a uma avaliação rigorosa para verificar se estudamos ou não,diligentemente, todas as monografias que recebemos. Isto não quer dizer que estamos fadados ao fracasso como estudantes. No entanto, o exagero do descuido, a completa ausência de verificação deste progresso no sanctum solitário do lar, repito, para marcar este ponto, deixou os membros disciplinados livres para criar o seu próprio ritmo de estudo, e os outros, não tão disciplinados, à vontade para parecer que estudam, o que faz com que muitos de nossos estudantes compareçam ao corpo afiliado sem conhecer os mínimos princípios de nossa filosofia e assim preencham as lacunas com outras informações, de outras linhas de pensamento, e criem estas “saladas” filosófico-espiritualistas que todos já tiveram, tenho certeza, oportunidade de testemunhar dentro de uma conversa no corpo afiliado.
Frater Alberto: Meu nome é Alberto e queria colocar uma sugestão. Talvez os estudos devessem ser modificados para serem todos templários. Isto aumentaria a freqüência dos corpos afiliados que hoje lutam, às vezes com dificuldade, para se manter, e garantiria que todos os presentes estudariam as monografias, como acontece na Ordem Martinista.
Bernardo: Não funcionaria, embora eu mesmo já tenha pensado nisto.
Pois isto significaria a morte do trabalho do Sanctum no Lar, uma característica pétrea de nossos estudos, além de restringir em muito a liberdade de nossos membros.
Agora, como uma alternativa, acho que seria uma grande idéia. Deixaríamos a critério do membro que entrasse a decisão de seguir os estudos de modo templário ou apenas no Sanctum do Lar, ou ambos.
Frater Alberto: E porque não implantamos esta idéia logo?
Comenius: Porque nenhum de nós, isoladamente, tem este poder, atribuído apenas ao Supremo Conselho da Ordem, em conjunto com nosso Imperator. No entanto, podemos e devemos sugerir tais coisas e colocar em discussão estes temas pois a Ordem é feita por nós, pouco a pouco, como todos sabem.
Frater Alberto: Então está feita a sugestão.
Bernardo: Que está devidamente anotada e será repassada ao Grande Conselheiro da região, que por sua vez a repassará ao Grande Mestre, que por sua vez a apresentará para debate no Supremo Conselho.
Frater Marcelo: Nada impede o frater ou a sóror de seguir seus estudos, na minha opinião, a não ser sua própria vontade.
Comenius: Em que sentido, Frater?
Frater Marcelo: No meu entender, as pessoas que não acompanham o estudo monográfico em sanctum, demonstram pouca força de vontade e determinação e esta é uma das “peneiras” que filtram os estudantes rosacruzes na sua caminhada rumo aos graus mais altos.
Comenius: Concluo então que para o frater a vontade é parcial ou totalmente fundamental para o avanço na ordem ou em qualquer atividade humana?
Frater Marcelo: O frater não pensa desse modo?
Comenius: Na verdade não, frater.
Frater Marcelo: Fiquei curioso. O que para o frater é mais determinante para o progresso do que a vontade de progredir?
Comenius: O conhecimento frater, o conhecimento.
Frater Marcelo: O frater no entanto sabe que em todas as eras recentes pensadores os mais proeminentes (Schopenhauer, Nietzche) não pensaram desta forma o que me leva a pedir que o frater elabore mais sua posição.
Comenius: Com prazer. Começo minha elaboração voltando às origens do pensamento humano, a Grécia, e ao templo de Delfos, onde em seu pórtico estava escrita a frase tão cara aos rosacruzes de todo o mundo: “Homem, conhece-te a ti mesmo e conhecerás o Universo e os deuses”.
Não é dito: “Homem , tenha vontade e conhecerás o Universo, etc...”; diz-se “conhece-te” ou seja, tenha conhecimento. É como se Delfos nos lembrasse que sem um mapa as travessias às vezes podem até ser feitas, mas serão imensamente mais difíceis. Nesta linha de raciocínio, eu comecei a questionar se a vontade, embora importante, era o mais importante. E em que medida o conhecimento não é o motor da vontade ou melhor seu parceiro, seu complemento.
Foi quando conversei com meu amigo aqui e meu frater, Bernardo, e ele me trouxe considerações semelhantes que ele fez a partir de sua profissão, a Medicina e que eu queria, se o frater Alberto permitir, pedir que o próprio Bernardo falasse sobre elas.
Frater Marcelo: Pois não.
Bernardo: Obrigado. Sim, é verdade. Conversei com Comenius sobre isso. O voluntarismo foi no século XIX de muita importância. É verdade que em seu trabalho filosófico, Schopehauer atribui a vontade grande importância, se bem que para ele Vontade era uma força, e não só uma virtude humana, mas um modo de ser da criação; mais, ele dizia que esta Vontade que movia a humanidade era cega e arrastava a todos os seres em direção a um destino desconhecido.
Na verdade eu tenho uma pesquisa aqui da WiKipedia sobre o assunto que mostra bem as posições ao longo das épocas sobre a Vontade:
“Vontade é a capacidade através da qual tomamos posição frente ao que nos aparece. Diante de um fato, podemos desejá-lo ou rejeitá-lo. Ante um pensamento, podemos afirmá-lo, negá-lo ou suspender o juízo.
Para os filósofos Santo Agostinho e Descartes, vontade e liberdade são a mesma coisa: a faculdade através da qual somos dignos de louvor, quando escolhemos o bom, e dignos de reprovação, quando escolhemos o mau.
Agostinho e Descartes concordam em que o fato de nós humanos termos vontade nos torna responsáveis pelas nossas decisões e ações. A dimensão moral do homem decorre do fato dele ter vontade.
Em Agostinho, a escolha digna de reprovação é pecado. Em Descartes é erro. O pecado é uma falta religiosa oriunda da vontade. O erro é uma falta moral ou epistêmica. Moral quando a falta oriunda da vontade é prática. Epistêmica quando a falta oriunda da vontade é teórica.
Agostinho e Descartes também concordam em afirmar que o fato de termos vontade não só nos torna responsáveis por nossos atos e decisões como também livra Deus de qualquer responsabilidade sobre a mesma, tal como explica a teodicéia.”
“Teodicéia é um ramo da teologia que trata da coexistência de um Deus bom com o mal.
O termo teodicéia provém do grego θεός - theós, "Deus" e δίκη - díkē, "justiça", que significa, literalmente, "justiça de Deus". O termo foi criado em 1710 pelo filósofo Alemão Gottfried Leibniz num trabalho intitulado Essais de Théodicée sur la bonté de Dieu, la liberté de l'homme et l'origine du mal. O propósito do ensaio era demonstrar que a presença do mal no mundo não entra em conflito com a bondade de Deus — ou seja, não obstante as diversas manifestações de iniqüidade no Mundo, este é o melhor dos mundos possíveis”
Gottfried Leibniz e Descartes eram Rosacruzes.
Já Alice Valente nos lembra que , “ No sistema de Schopenhauer, a vontade é a raiz metafísica do mundo e da conduta humana; ao mesmo tempo, a fonte de todos os sofrimentos. Sua filosofia é, assim, profundamente pessimista, pois a vontade é concebida como algo sem nenhuma meta ou finalidade, UM QUERER IRRACIONAL E INCONSCIENTE. Sendo um mal inerente à existência do homem, ela gera a dor, necessária e inevitavelmente, e aquilo que se conhece como felicidade seria apenas a interrupção temporária de um processo de infelicidade e somente a lembrança de um sofrimento passado criaria a ilusão de um bem presente. Para Schopenhauer, o prazer é momento fugaz de ausência de dor e não existe satisfação durável. Todo prazer é ponto de partida de novas aspirações, sempre obstadas e sempre em luta por sua realização: “Viver é sofrer”.
Já para Nietzche, a vontade é antes de qualquer coisa, Vontade de Poder. Diz ele que “a vida só se pode conservar e manter-se através de imbricações incessantes entre os seres vivos, através da luta entre vencidos que gostariam de sair vencedores e vencedores que podem a cada instante ser vencidos e por vezes já se consideram como tais. Neste sentido a vida é vontade de poder ou de domínio ou de potência. Vontade essa que não conhece pausas, e por isso está sempre criando novas máscaras para se esconder do apelo constante e sempre renovado da vida; pois, para Nietzsche, a vida é tudo e tudo se esvai diante da vida humana.
Aqui temos a Filosofia e o termo Vontade elevado a condição de categoria filosofica; esta Vontade sempre foi considerada uma indiscutível faceta da natureza do mundo e do homem. Então surgiram os antidepressivos.E o primeiro grupo foram os tricíclicos.
AMITRIPTILINA
Diz a Wikipedia: “Os primeiros tricíclicos foram desenvolvidos em 1949 como anti-psicóticos. No entanto não foram eficazes no tratamento da maioria das psicoses, nomeadamente na Esquizofrenia.
Começaram então a ser utilizados clinicamente como anti-depressores na década de 1950.A Teoria das Monoaminas, das origens bioquimicas da depressão por déficit de noradrenalina, dopamina e serotonina, foi proposta em 1965.” Foi nesse momento que se percebeu que a perda da Vontade era a mais importante manifestação da Depressão, ou seja, a Vontade não era apenas um fenômeno moral mais neuro químico também.Tudo portanto é muito recente. Foi por causa destas drogas que começamos a tentar entender o mecanismo da vontade, não como categoria filosófica, mas como fenômeno neuroquímico psicológico. E o que antes era apenas um traço de caráter tornou-se compreensível como um mecanismo bioquímico sobre o qual poderíamos ter uma parcial ou total intervenção, modificando-o, e modificando assim a vida daquele que recebia esta intervenção.Isto me levou a especular que Vontade, embora decantada em prosa em verso, não é tudo. É apenas parte do problema. Para que o homem crescesse e evoluísse ele precisava antes de tudo ter saúde neurológica, o que garantiria sua saúde mental, e aí sim, as Virtudes, entre elas a Vontade, poderiam se manifestar. Veja, eu percebi que a saúde física poderia estar debilitada, mas se a parte cerebral estivesse bioquímicamente íntegra, a vontade e a determinação de um indivíduo estariam preservados e ele superaria qualquer desafio, independente das condições adversas que ele enfrentasse.Já, ao contrário, se o corpo estivesse aparentemente íntegro, e a mente debilitada, por causa de um cérebro bioquímicamente doente, este indivíduo precisaria não de lições de moral ou discursos, mas de um médico.
Foi o conhecimento destas drogas e de seu provável mecanismo de ação que mudou a vida de milhares de pessoas em todo o mundo, que não estariam hoje em condições de atender a nenhum chamado a consciência ou ao trabalho produtivo sem o concurso desta intervenção farmacológica. Ou seja, nós não sabemos nada de nosso cérebro e por conhecê-lo mal, atribuímos a Vontade humana uma importância descabida.
O corpo é uma máquina maravilhosa, mas não perfeita. Tem defeitos de fabricação, por assim dizer, que se corrigidos, inserem milhares de pessoas no que podemos chamar de ambiente social produtivo, do qual não estavam afastadas por vontade própria, mas por uma deficiência bioquímica, deficiência esta corrigida pelo conhecimento científico.
O que salvou estas pessoas sem vontade? O conhecimento. Qual dos dois pesou mais? É difícil dizer, mas com certeza, o conhecimento teve seu papel.
O que se tira desta conversa? Não há força de vontade sem a força de um conhecimento poderoso por trás dela.
Melhor dizendo, se sem vontade, o conhecimento conseguido é pouco, sem o conhecimento, a vontade é uma energia cega e mal aproveitada.
A era da vontade como primeira e única força cessou; agora ela deve dividir a cena e ceder o comando ao conhecimento, como diretor do espetáculo da evolução.
Comenius: Não sei se o Frater Marcelo comunga conosco em nossas considerações.
Frater Marcelo: Em parte, frater. Eu ainda não posso imaginar que sem determinação um indivíduo possa fazer qualquer coisa.
Comenius: Com o que concordamos, acho que Bernardo não negará isto.
Bernardo: Não nego.
Comenius: O que estamos dizendo é que antes de serem esclarecidos estes mecanismos neuro-químicos da vontade, achávamos que ela era apenas uma questão de escolha e esforço pessoal quando na verdade podem haver defeitos neurológicos a serem corrigidos e para isto o conhecimento trouxe um novo alento. Da mesma maneira que a morte de milhares de seres humanos por pestes, antes da era do antibiótico, era apenas, na época, a vontade de Deus, hoje se sabe que, além disto, era conseqüência da nossa ignorância médica, que estamos superando a duras penas. A vontade de Deus, a nosso ver, é eterna, mas o conhecimento do homem muda, evolui. O conhecimento, é pois, um divisor de águas. Por mais vontade que tivéssemos de salvar vidas naquela época, não conseguiríamos um décimo do que fazemos hoje rotineiramente nos hospitais. Não faltava vontade, mas conhecimento.
Frater Marcelo: Concedo ao frater a importância do conhecimento na nossa evolução. Entendo agora seu ponto de vista. No entanto, esta conversa começou com uma declaração minha de que as pessoas que não acompanham o estudo monográfico em sanctum, demonstram pouca força de vontade e determinação, o que continua sendo verdade, como antes.
Bernardo: Fato. O que muda é que agora sabemos que devemos nos preocupar em esclarecer estes indivíduos sobre este aspecto neurológico fundamental que é a saúde mental, orientando a todos que busquem de maneira entusiástica uma melhoria de sua qualidade de vida junto com o estudo rosacruz. Talvez este devesse ser um adendo do nosso grau de Terapeutas, o sexto grau, onde considerações já existentes sobre a importância do respeito ao corpo, templo da alma, deveriam ser enriquecidos com detalhes sobre a importância do equilíbrio psicológico e da sua necessidade antes do avanço psíquico, considerando que psicológico diga respeito a mente profana, ao mental, e psíquico diga respeito ao aspecto esotérico místico, o desenvolvimento das habilidades mais sublimes do estudo esotérico.
Sem que estimulemos nossos membros a procurar através da medicina ortodoxa, do esporte, da alimentação e dos hábitos de vida, a construção de uma estrutura mental e psicológica sadia, a senda mística não será possível e será sabotada, já que o aspecto neurológico estará prejudicado.
Comenius: Veja frater Marcelo, os místicos de todas as épocas têm achado suficiente a busca do espiritual.
Isto nunca foi suficiente para os rosacruzes que sempre defenderam o equilíbrio, com um outro ditado grego: “mens sana in corpore sano” o que quer dizer mente sã em corpo são.
Hoje , com as novas descobertas da neuropsiquiatria este lema fica ainda mais forte. A estrutura física que mantém a mente, o cérebro, também pode e deve ser melhorada na busca desta saúde, a saúde mental.
Bernardo: Queria dizer mais uma coisa. Nós falamos, eu e Comenius, que a Vontade Humana sem conhecimento é cega e que por isso ter vontade não é suficiente, só que existem outros níveis a considerar na administração de nossas vidas quanto ao grau de influência da Providência Divina sobre nós, os quais são compatíveis com a interpretação chinesa do Tao.
Frater Marcelo: Em que sentido?
Bernardo: Veja, desde que os gregos descobriram que o homem, e não os deuses, era o responsável por seu destino, grande foi o progresso da consciência humana. Sua maturidade expandiu-se. De fato, libertar-se dos deuses, fez o homem achar que não precisava de nada ou de ninguém além dele, para compreender a si mesmo e o universo. Só que o tempo mostrou que não é bem assim. Existe, e todos aqui nesta sala são místicos e sabem disso, uma força, uma energia que vaga pelo infinito e que representa a presença de Deus em tudo que existe, energia esta que é o próprio Deus em si. Nós, místicos, que experienciamos esta presença todos os dias em nossos exercícios e em nossa própria vida, sabemos que não estamos sós em nossas decisões mas que dependemos desta inspiração para nos guiar e tudo que fazemos e queremos é uma maior e progressivamente mais intensa participação desta energia divina em nós nos guiando, como Consciência, nos orientando, como Inspiração, e nos sustentando e fortalecendo com sua intensidade e vigor.
E o que diz a filosofia do Tao, codificada por Lao Tse?
Que existe sim este fluxo com o qual temos de nos harmonizar, chamado Tao, e que para que isto aconteça, precisamos relaxar e colocar nosso ego , nossa vontade de lado, entregando-nos confiantemente nos braços deste fluxo, desta corrente de abundância e prosperidade que corre pelo Universo.
E o que aprendemos no Ocidente? A pensar por nós mesmos, a duvidar sistematicamente de tudo, a criar um Ego estruturado, aparentemente autônomo, que nos dê uma noção intensa da experiência do Eu.
Mas o fluxo não permite o Eu. Ele, fluxo, pede que nos neguemos como independentes para que possamos fluir perfeitamente. Como gotas de água que caem na corrente do rio. Fluindo com ele, fundidas com ele, sem distinção, em completa absorção.
Essa é uma experiência assustadora para o Ego, mas é o estágio mais avançado que um místico em busca desta União pode alcançar. Este rio sabe para onde vai; nós, não.
Somos simples gotas, mas ele é o rio que flui.
Então, como místicos, não é nosso objetivo cultivar o voluntarismo, a força de ou da vontade, já que precisamos de conhecimento para que esta força possa ser útil e construtiva. E mesmo o conhecimento, embora possa dar um objetivo a nossa vontade, ainda assim nos tornará mais confiantes nas nossas próprias convicções, o que por si fortalecerá nosso Ego. Só que, por último, para que avancemos na senda mística, teremos que abandonar, pelo menos metodologicamente, este mesmo Ego que tanto lutamos para construir, de forma que Deus possa se manifestar em nós, e assumir o comando, guiando-nos literalmente em seu fluxo. Este é o dilema místico rosacruz que bem lembra Heráclito: ser e não ser, a um só tempo, de forma a estar no mundo, sem pertencer a este mundo.
Comenius: É isso. Acho que depois desta belíssima intervenção de Frater Bernardo, podemos encerrar este seminário por aqui. Agradeço aos frateres e as sorores pelas intervenções. Que todos tenham aproveitado tanto quanto eu e que retornem a seus lares imbuídos da paz profunda dos rosacruzes em seus corações. Assim Seja.
Todos respondem: Assim Seja!
Nenhum comentário:
Postar um comentário