Por Mario Sales, FRC.:,S.:I.:,M.:M.:
Lê-se na página 15 de “Desejo, Paixão e Ação na Ética de Espinosa” de Marilena Chauí, o seguinte trecho:
"A palavra desejo tem bela origem. Deriva-se do verbo desidero, que por sua vez, deriva-se do substantivo sidus (mais usado no plural, sidera), significando a figura formada por um conjunto de estrelas, isto é, as constelações. Porque se diz dos astros, sidera é empregada como palavra de louvor – o alto – e, na teologia astral ou astrologia, é usada para indicar a influência dos astros sobre o destino humano, donde sideratus, siderado: atingido ou fulminado por um astro. De sidera, vêm considerare – examinar com cuidado, respeito e veneração – e desiderare – cessar de olhar (os astros), deixar de ver (os astros). Pertencente ao campo das significações da teologia astral ou astrologia, desiderium insere-se na trama dos intermediários entre Deus e o mundo dos entes materiais (corpos e almas habitantes de corpos). Os intermediários siderais, eternos e etéreos, exalam diáfanos envoltórios com que protegem nossa alma, dando-lhe um corpo astral que a preserva da destruição quando penetra na brutalidade da matéria, no momento da geração e do nascimento. Pelo corpo astral nosso destino está inscrito e escrito nas estrelas e considerare é consultar o alto para nele encontrar o sentido e o guia seguro de nossas vidas."
Aqui Marilena, filósofa espinosista, não está fazendo uma palestra esotérica, mas descrevendo crenças e valores dos anos de 1600 as quais dominavam as concepções desde os mais cultos até o populacho. Por que ciência não era imaginar a partir da observação, experimentar, e confirmar ou não confirmar uma hipótese.
Sendo uma filósofa, embora não a conheça pessoalmente, sei que o faz apenas no intuito de relato histórico de um contexto social específico, sem que isso signifique crença.
Há também a busca pela etimologia da palavra em questão, desejo, que ela vai trabalhar nesta primeira parte do livro em função da noção de desejo em Espinosa.
E para entender um conceito, em filosofia, gostamos sempre de pesquisar e conhecer a palavra que o representa.
Existem fortes vínculos entre idéias e palavras, entre as “palavras e as coisas”, para lembrar um maravilhoso livro de Michel Foucault que também trabalha encantadoramente as crenças e o chamado conhecimento daquela época do século XVI e XVII e aonde reconhecemos muitas falas que ainda hoje ouvimos dentro de Lojas, Capítulos e Pronaoi como se fossem esoterismo, sendo que, na verdade, refletem crenças de 400 anos atrás.
É isto que me preocupa com os "modernos ocultistas". Existe uma resistência extrema a dar o passo em direção ao científico, ao positivismo, havendo sempre o perigo de retornarmos às superstições do passado pelo encanto que nos atrai em seu discurso romântico e enternecedor.
A noção de unidade do Universo, a sensação que atravessa todos os místicos da presença de Deus, é tão contemporânea hoje como há 600 ou 1000 anos atrás, mas as construções ideológicas e de crenças que tentam dar um corpo a esta noção de União de todas as coisas variam de época para época.
Precisamos nos libertar das formas do passado, sem pena.
Tradição não é o antigo, é o eterno, aquilo que transcende o tempo e os costumes e esta é a diferença entre misticismo e superstição.
Depois de todo o esforço de Harvey Spencer Lewis para modernizar os textos esotéricos que teve nas mãos para uma linguagem contemporânea, de forma a facilitar o acesso de todos os que o desejassem ao conhecimento tradicional, via de regra noto a facilidade com que frateres e sorores abandonam a racionalidade e a prudência das monografias e mergulham em crendices paralelas, chegando mesmo a fascinar-se por oradores menores, charlatães e embusteiros disfarçados de Grandes Esoteristas e acabam por levar para dentro dos corpos afiliados, absolutamente fascinados, sem nenhum critério, os discursos destes mesmos indivíduos como se fossem o último grito do Ocultismo.
Pão requentado servido como uma iguaria.
É triste.
A AMORC não merece isso. Não construímos todos nós uma escola de Tolerância e Respeito às diferenças para que se transformasse em ambiente permissivo e sem critério a quaisquer superstições travestidas de ciência.
Os monitores culturais das diversas regiões do Brasil e Portugal devem ficar atentos quanto à qualidade das palestras feitas dentro de ambiente oficial da Ordem, seus corpos afiliados, para que não pareça que estamos pregando o discurso de outros dentro de nossa casa.
Por isso escrevi Doutrina e Orientação anos atrás, que aqui no blog está dentro do livro "Dialogos Rosacruzes, 3° seminário, 1a parte", para mostrar que existe sim um corpo de conhecimento rosacruz específico, uma doutrina rosacruz, em suma, e não sei por que este termo, na época do ensaio, tinha sido transformado em uma palavra ruim dentro de determinada abordagem de marketing.
Não é. Doutrina quer dizer Corpo de Conhecimento e Doutrinar significar única e exclusivamente ensinar uma doutrina , e é isto que fazemos em nossas monografias, passamos e ensinamos um corpo de idéias e valores que constituem, no seu conjunto, a Doutrina Rosacruz. Em boa hora, segundo informação que me chega hoje, a Ordem publica um glossário de termos rosacruzes, como no reconhecimento tácito de que certos conceitos chaves precisam ser restaurados e reavivados na memória de nossos membros, dada a bruzundanga filosófica que testemunhamos hoje nos corpos afiliados.
Como eu comecei transcrevendo um texto de uma filósofa, ou melhor, uma professora de filosofia, mostrando historicamente a relação de um conceito com o nascimento de uma visão de mundo, aqui gostaria de transcrever o que nós esoteristas consideramos informação técnica:
"Denominado também de Corpo Astral, este mediador, composto de luz bipartida ou especificada (fluido nervoso)(??) e de luz bipartida volátil (fluido magnético)(???) pode coagular ou dissolver, projetar ou atrair uma porção do fluido Universal. Ele possibilita ao Adepto influenciar toda a massa de Luz Astral, nela criando correntes e produzindo fenômenos surpreendentes , que a ignorância comum qualifica como milagres."
(“No Umbral do Mistério”, de Stanislas de Guaita)
Não são palavras, mas informações (às vêzes incompreensíveis, como identifiquei com as interrogações), mas que se submetidas à verificação mostrarão resultados. É diferente de não experimentar, de não testar a informação, ou por preguiça, ou por falta de motivação.
Uma vez ao final de uma palestra no Capítulo de minha cidade, um jovem que havia se mantido quieto todo o tempo durante minha fala aproximou-se delicadamente e me fez uma pergunta fulminante.
Após me ouvir falar contra os perigos da superstição dentro de um ambiente místico, questionou-me como separar um conhecimento dito esotérico de uma simples superstição.
Após responder eu tive que modificar o texto e acrescentei nas últimas linhas as considerações que fiz para ele sentado da escada da entrada do Capítulo.
E minha resposta foi: a diferença entre superstição e misticismo, no caso misticismo Rosacruz, é a possibilidade de que cada informação fosse passível de duas coisas das quais a superstição não é capaz: primeiro, estabilidade e universalidade quanto á sua reprodutibilidade: aquilo que verdadeiramente for uma técnica mística funciona aqui, na China, no Havaí, da mesma forma que em Nova Iorque, e qualquer um que aplique a técnica deve obter ao fim e ao cabo, resultados igualmente satisfatórios; segundo, verificabilidade: quando eu reproduzo uma técnica posso verificar sua antenticidade, pois se for apenas de uma superstição ou crendice, não poderá suportar o teste, não permitirá a verificação, e portanto, será apenas uma fantasia sem fundamento. O terceiro critério que na época não comentei com aquele rapaz, que Deus o abençoe pela perspicácia, foi que as técnicas místicas tem um caráter de eficácia cumulativo, tornando-se melhores e mais eficientes a medida que são usadas e a habilidade do usuário vai aumentando.
Por isso defendo a tese de que os rosacruzes devem retornar ao laboratório de onde nunca deviam ter saído.Temos hoje na AMORC, perdoem-me a sinceridade de artesão, discursos demais e ciência e empirismo de menos.
Spencer Lewis, aonde estiver, não deve estar satisfeito com isso.