Multi pertransibunt et augebitur scientia (Muitos passarão, e o conhecimento aumentará).

segunda-feira, 31 de maio de 2021

A JORNADA MÍSTICA ATRAVÉS DA CIENCIA

 

 

Por Mario Sales



Técnico Michael Anderle (esquerda, com óculos) e co-investigador principal Richard J. Davidson (centro vestindo jaqueta) e Antoine Lutz (direita) preparam o monge budista Matthieu Ricard para um teste de ressonância magnética funcional (fMRI) com a instalação do MRI sendo feita no  Centro Waisman na Universidade de Wisconsin-Madison em 4 de junho de 2008. 
Ricard é um participante de longa data em um estudo de pesquisa em curso liderado por Davidson que monitora a atividade cerebral de um sujeito e o impacto da meditação sobre a regulação da dor. Davidson é diretor do Laboratório Waisman para Imagens e Comportamento Cerebral (WLBIB) e o Professor William James e Vilas de Psicologia e Psiquiatria.

 

Assisti com atenção a palestra do Frater Régis Reis para o programa Luz que Vem do Leste, do Capítulo rosacruz AMORC de Mogi das Cruzes.
O tema (A Jornada Mística Através da Ciência) parecia propor uma relação de interesse entre ambos os campos. Foi com satisfação, no entanto, que o palestrante, um docente e físico, confirmou minhas afirmações de sexta feira passada, quando de minha intervenção na Loja Recife com o Tema Fatos e Crenças: no momento, pelo menos, Misticismo e Ciência são campos separados sem possibilidade de interação.
Eu diria que Ocultismo e Ciência não têm possibilidade de diálogo já que separo Misticismo (conjunto de práticas em busca do contato com o Deus Interior) do Ocultismo (conjunto de técnicas para intervenção de modo incomum no real, popularmente conhecidas como Magia).
E a impossibilidade de diálogo entre ambas é a falta de tecnologia capaz de mensurar as variáveis envolvidas na atividade ocultista. Ciência precisa de dados e medidas que possam ser estudadas, colocadas em uma tabela, e que permitam uma reprodução dos experimentos com certa facilidade. Nada disso é possível no Ocultismo, já que lida com energias ainda não mensuráveis, independente de serem visíveis ou invisíveis. Aliás a visibilidade das coisas há muito deixou de ser critério para sua classificação como reais ou ilusórias.
Hoje, com a melhoria dos aparelhos, trabalhamos com muitas realidades invisíveis ao olho desarmado, mas possíveis de serem acompanhadas com o auxílio destes aparelhos.
Um exemplo banal é a microscopia, ótica ou eletrônica, que nos revela cada dia mais a intensa atividade do mundo biológico e não biológico microscópico.
Aprendemos nas últimas décadas que o tamanho não tem importância na avaliação da força e poder de ação dos diversos seres do Universo, sendo que o muito pequeno guarda às vêzes capacidade destrutiva significativa, mesmo sendo imperceptível aos nossos sentidos. Os vírus são o melhor exemplo.
Paripasso a isso, outras manifestações naturais não podem ser detectadas. A aura não pode ser medida, ou visualizada, a não ser por pessoas conhecidas como “videntes”, o que torna seu estudo extremamente subjetivo e impossibilita a colheita de dados sobre o fenômeno. Os canais de acupuntura também não são visíveis, o que desencadeia um sem-número de teorias descabidas sobre o funcionamento, indiscutível, das agulhas de acupuntura em diversas situações médicas.
Existe uma outra fisiologia a ser explorada, mas faltam instrumentos.
E é isso que impede a conversa ou mesmo a fusão entre práticas ditas ocultas e as científicas.
Como já disse outras vezes, o que hoje chamamos conhecimento esotérico já deve ter sido ciência em outras épocas. A ruptura cultural entre civilizações mais antigas e desenvolvidas do planeta e a nossa explicam o caráter de mistério que envolve esse conhecimento.
Frater Régis na sua fala ao programa citado fez uma excelente colocação. Indagado sobre se existiria meios de tornar a ciência mais próxima do misticismo e este mais próximo da ciência respondeu que esta estratégia seria o conhecimento. O acúmulo de informações e cultura técnica poderá tornar mais fácil tanto para os cientistas perceberem no Ocultismo algum mérito que mereça ser investigado, quanto facilitar aos ocultistas entender a importância do método científico no trabalho esotérico.
A idéia infantil de que a ciência tenha algo contra o mundo esotérico é uma falácia. O que a Ciência combate é o charlatanismo, esteja ele no mundo esotérico ou não. Existe charlatanismo até na ciência e isto precisa ser combatido, não em função de qualquer razão moral, mas porque o charlatanismo prejudica a qualidade do conhecimento, pervertendo-a, destruindo a confiabilidade e solidez que os conceitos em ciência devem ter.
Apenas isso. Aliás, como a ciência combate os charlatães dentro de seu próprio campo, também os ocultistas deveriam combater os charlatães do meio esotérico. E eles são muitos.
O palestrante em sua fala fez esta advertência. O que a ciência combate não é o misticismo, mas a mistificação, tão bem interpretada pela passagem bíblica de Simão o Mago que achava poder comprar a técnica que provocou o surgimento das “línguas de fogo” sobre as cabeças dos apóstolos, como relatado em Atos dos Apóstolos, 2, 3-4.
Honestidade não é uma virtude, apenas. Ela sustenta o conhecimento científico, lhe dá confiabilidade e garante melhores resultados. A honestidade em ciência é boa para o sucesso da pesquisa.
Da mesma maneira, não há lugar no Ocultismo para cartomantes de esquina, para usar uma expressão jocosa. Ocultismo precisa ser feito de maneira séria, para que evolua de Oculto para Revelado.
Todos julgaram que isso aconteceria com a Parapsicologia e seus procedimentos de investigação sistemática da telepatia, da telecinesia, e de outras manifestações incomuns relatadas nos textos esotéricos.
Por alguma razão não houve progressos ou se aconteceram, não houve impacto importante no modo de pensar dos cientistas. As pesquisas, no entanto, continuam. Algumas universidades tem investigado o funcionamento da mente em estados de meditação, com eletroencefalogramas de monges budistas durante suas praticas mentais. É o caso de Matthieu Ricard (nascido em 1946) um monge budista que reside no Monastério Shechen Tennyi Dargyeling
 no Nepal. Phd em Genetica Molecular do Instituto Pasteur, Mattthieu é uma prova de que a ciência não tem, em princípio, qualquer ojeriza a práticas incomuns, muito pelo contrário. O que a ciência quer, e o que todos nós queremos, é estudar de modo objetivo a natureza desses fenômenos, chamados de Esotéricos.
Não há dúvida de que existem inimigos destas investigações, radicais de parte a parte. Mentes obtusas foram distribuídas democraticamente entre todos os países, raças, religiões e sexos, infelizmente, mas estes não falam pela Ciência, ou pelo Campo do Ocultismo como aliás ninguém fala.
Nenhum planeta fala pelo Universo.
Existem vários tipos de Ocultistas e Cientistas.
Independente das opiniões deste ou daquele individuo, a investigação prosseguirá, porque o que caracteriza a ciência é a curiosidade. E em algum momento alguém conseguirá uma tecnologia que permita o salto qualitativo na investigação dos fenômenos ditos esotéricos, da mesma maneira que os holandeses 
Hans Janssen e seu filho Zacharias, seguidos de Antonie van Leeuwenhoek, no século XVI, deram ao mundo os instrumentos para conhecer o mundo do muito pequeno com microscópios e depois outro holandês, Hans Lippershey, em 1608, o do muito distante, com os telescópios, estes aperfeiçoados por Galileu Galilei, dez anos depois.
Faltam-nos as ferramentas
.
Quando os óticos ou físicos nos apresentarem maneiras de contemplar as energias muito sutis teremos dado apenas o primeiro passo na compreensão deste outro campo, o campo das chamadas “energias ocultas”. Depois disso muito tempo ainda decorrerá para que absorvamos a real importância desta descoberta, da mesma forma que entre a luneta de Galileu e o Telecopio James Webb, que sobe, se Deus quiser, em outubro próximo, quatrocentos e vinte anos se passaram.
O conhecimento científico é assim, lento, cuidadoso.
Exatamente por isso, pelo cuidado com que é tecida e construída a obra cientifica, todos querem o status de “científicos”. Infelizmente, as pessoas comuns gostam mesmo é dos produtos da ciência, não dos cientistas, nem das perguntas que eles fazem.
Acho muito banal a incapacidade de compreensão do papel da ciência expressado em um dos textos clássicos do Esoterismo Ocidental, a Doutrina Secreta.
E, justiça seja feita, não é Blavatsky, a redatora do texto como ela se nomeia, que deve ser responsabilizada por esta postura hostil a ciência. Ku-Thu-Mi deixa claro que é dele a antipatia por alguns comportamentos científicos da época.
O erro do Mestre é dar a entender que a ciência é contra o Ocultismo. Ou que a Verdade seja objetivo da Ciência, como diz em várias passagens.
Não. O objeto de trabalho da Ciência é a dúvida, não a Verdade. Cientistas não creem na “Verdade”, só em consensos temporários acerca das explicações dos fenômenos. Novas evidencias podem, eventualmente, modificar esses consensos. E assim o conhecimento evolui.
O Ocultismo evoluiu também, embora muitos não entendam isso. Ninguém em sã consciência montaria hoje um laboratório alquímico, não porque não acredite em pressupostos do simbolismo alquímico, mas porque, como prática, a Alquimia não faz mais sentido.
Ela foi uma prática datada pelo nível de conhecimento da época. Ajudou na construção da pesquisa química, mas ninguém apostaria suas fichas em balões aquecidos até a explosão como se isso levasse a qualquer resultado significativo.
Ela não estava errada ou certa, teve seu papel histórico, mas hoje é apenas obsoleta.
Não precisamos, da mesma forma, de um novo Ocultismo, mas sim de uma outra leitura e perspectiva do Ocultismo como o conhecemos.
Precisamos esclarecer quais áreas do cérebro estão envolvidas na produção dos fenômenos telepáticos, quais as condições que permitem a telecinesia, a invisibilidade etc., e isso demanda experimentos, investigações objetivas, com resultados testados, com o rigor que caracteriza o trabalho da ciência séria.
Minha aposta, entretanto, é que não virá da neurociência o primeiro movimento de validação cientifica das práticas esotéricas e ocultistas, mas da ótica. Primeiro precisamos ver que existem sim outras energias em nosso corpo e na natureza.
E isso depende da ótica, quem sabe de outro holandês, que nos permita contemplar o invisível de maneira mais clara. Aí, e só aí, começará a “jornada mística através da ciência”, como diz o título do programa de ontem.
Aguardemos.

sábado, 29 de maio de 2021

A MARCA DE CAIM

 

Por Mario Sales


 



“Então disse Caim ao Senhor: É maior a minha maldade que a que possa ser perdoada. Eis que hoje me lanças da face da terra, e da tua face me esconderei; e serei fugitivo e vagabundo na terra, e será que todo aquele que me achar, me matará. O Senhor, porém, disse-lhe: Portanto qualquer que matar a Caim, sete vezes será castigado. E pôs o Senhor um sinal em Caim, para que o não ferisse qualquer que o achasse.”

Gênesis 4:13-15

E eu, que já era Caim e levava a marca na fronte, imaginara naquele instante exato que o sinal não era um estigma infamante, mas antes um distintivo e que minha maldade e infelicidade me faziam superior a meu ai, superior aos homens bons e piedosos…Hoje sei muito bem que nada na vida repugna tanto ao homem do que seguir pelo caminho que o conduz a si mesmo!

Demian, Herman Hesse

 

O esoterismo é um campo de conhecimento muito curioso.

Grande parte dos esoteristas acreditam como uma questão de dogma que o nome de seu campo deve ser a senha para seu comportamento.

Por isso, ser esoterista é acreditar que o segredo deve ser preservado a todo custo.

O que exatamente está sendo mantido em sigilo é discutível e incerto, mas primeiramente, devem ser ocultados os textos internos das ordens iniciáticas, e tornar-se membro de uma delas, AMORC, outras denominações de cunho rosacruciano e a Maçonaria, é aprender a não revelar estes textos passados entre os membros de forma velada.

Talvez a quebra deste axioma tenha começado pela maçonaria. Embora dentro de seus templos alardeasse sua esotericidade, a maioria de seus textos foram entregues ao publico profano através de livrarias que se especializaram em publicar livros e mais livros sobre assuntos maçônicos. Os autores realmente importantes da Maçonaria não hesitaram, mesmo tendo jurado segredo, em revelar com erudição e entusiasmo, conhecimentos que, a priori deveriam ficar dentro dos templos. Nada disso foi punido, ninguém foi chamado às falas, pelo contrário, ganharam notoriedade entre seus pares, foram alçados a categoria de sumidades em assuntos maçônicos, convidados para palestras aqui e ali e, óbvio, ganharam algum dinheiro vendendo deus textos, disputados pelas tais livrarias acima citadas.

A AMORC vem em segundo lugar. Tem afirmado ao longo de décadas que seu estudo é reservado apenas aos membros regulares, porém grande quantidade ou quase toda a informação delicada e secreta já foi publicada e é consumida avidamente por leitores leigos, não iniciados, em todo o mundo.

A coleção Renes, editora carioca, patrocinou a edição de dezenas de títulos daquilo que intitulou “Biblioteca Rosacruz”, alguns deles, como os de autoria de Raymond Bernard, com revelações acerca dos Mestres Ascencionados da Fraternidade Branca que no passado seriam consideradas transgressões do segredo.

É curioso o fato que se interpelamos algum irmão mais antigo sobre este paradoxo a resposta invariavelmente é de que Raymond Bernard podia fazer estas revelações, e até descrever em detalhes rituais secretos ocorridos em locais privados chamados por ele Mansões da Rosacruz, sem que isso lhe acarretasse nenhuma punição. E podia porque “deveria” ter permissão para isso.

Se colocarmos na balança as revelações feitas por este ilustre Frater com o que um membro ordinário e comum da Ordem quisesse revelar, na minha modesta opinião, nada poderia chegar aos pés das descrições que estavam em seus livros em termos de, digamos assim, informação reservada. Mesmo assim esses livros continuam a ser publicados e lidos por quem quer que os compre, em qualquer livraria ou sebo que os venda, sem nenhuma restrição, sem necessidade de ser ou não membro da Ordem ou mesmo ter tido qualquer iniciação mais profunda nos conhecimentos ditos esotéricos.

Se todos podem ler sobre coisas tão delicadas como difíceis de crer, o que realmente temos a ocultar?

Por que dizemos que somos uma ordem discreta ou secreta como querem os mais conservadores?

Ou mantemos este discurso com uma intenção meramente de marketing, visando dourar a pílula para atrair os curiosos interessados, ou dizendo com outra metáfora, passando verniz em um velho cajado de madeira?

Tocar neste tema as vezes fere ainda algumas sensibilidades. Para o bem de nossa Ordem, entretanto, não deveríamos ter assuntos proibidos, a não ser, coisa que não acredito, que tenhamos receio em discutir nossos assuntos abertamente, como é nossa tradição. Frater Charles Parucker, nosso antigo Grande Mestre da Língua Portuguesa, gostava de repetir um mantra: a Ordem Rosacruz AMORC era baseada na mais completa liberdade, dentro da mais completa tolerância.

E ele vivia esse lema.

Jamais o vi usar sua autoridade como algo ameaçador ou sua posição de modo intempestivo.

Era um homem extremamente sério, mas também bondoso e sua força entre nós estava centrada na sua personalidade ao mesmo tempo reservada e cordial.

Nosso tema não é esse, entretanto. Falávamos do segredo.

A terceira Ordem a considerar, se bem que não podemos classificá-la desse modo, é a Sociedade Teosófica. Pela natureza de seu trabalho, jamais defendeu uma posição de sigilo quanto aos seus ensinamentos, mesmo tendo mantido, enquanto Blavatsky estava conosco, alguns pequenos grupos de estudo mais avançados, que estudavam com HPB pessoalmente. Em relação a isso, talvez o motivo de não existir proibição de discussão pública dos conhecimentos teosóficos fosse o fato de que os livros de Blavatsky são tão obscuros e as vezes confusos que só isso representava um obstáculo a sua compreensão e interpretação, livros secretos em si mesmos, que não poderiam ser compreendidos a não ser com muito esforço e persistência intelectual, coisa que a esmagadora maioria dos seres humanos não possui.

Desde os primórdios em Adyar, na Índia, a ST tem produzido e publicado seus textos e dentro do possível, multiplicado suas representações em volta do planeta na intenção de dar a mais ampla divulgação a estes mesmos textos, para o maior número possível de pessoas.

Ou seja, Maçonaria e AMORC querem ser sociedades discretas ou secretas, mas de forma persistente publicam seus chamados segredos para que qualquer um possa lê-los e conhecê-los. A Sociedade Teosofica, ao contrário, quer ser lida, embora só tenha conhecido uma grande expansão de interesse em seu trabalho nos últimos anos, realizando uma profecia de Blavatsky de que seus ensinamentos só ganhariam importância 100 anos após sua morte.

Então, de novo, que segredo é este, fisicamente falando, que guardamos? Existe, em algum lugar, um manual de Magia repleto de palavras mágicas que um maçon, um rosacruz ou um teosofista pudesse usar para realizar atos milagrosos e transcendentais? Isso eu posso responder, sem quebrar nenhum juramento: não existe.

Existe alguma informação facilmente usável que não poderá ser jamais contemplada por um profano?

Também creio que não.

Na maçonaria contemporâneo, o grau de conhecimento ocultista está perto de zero. AMORC me passou, ao longo de quarenta e sete anos de afiliação, duas técnicas realmente poderosas, das quais uma está amplamente descrita para leigos não iniciados em um texto que se encontra em sebos hoje em dia, chamado “Princípios rosacruzes para o Lar e para os Negócios”.

Spencer Lewis não tinha medo de contar o que sabia. Mais do que isso, queria contar. Sabia que nenhum segredo realmente importante do ocultismo pode ser violado apenas pela revelação de seu aspecto formal.

Ele sabia, como eu sei, que nenhum objeto tem poder algum que não lhe seja dado pelo seu manipulador.

E o poder do indivíduo vem de sua evolução espiritual e de sua intuição que não podem ser desenvolvidas de modo rápido e fácil.

Sim, os textos estão aí, mas como se estivessem escritos em línguas extintas que poucos de nós saberiam traduzir. Embora pareçam fáceis e acessíveis escondem em seu interior tantos pressupostos simbólicos que são para poucos e não para todos.

Repito o que sempre digo: não existe risco algum de profanação daquilo que é verdadeiramente esotérico, principalmente se estiver em forma literária, já que, como lembrava Papus, “se o não iniciado conseguir um texto esotérico primeiramente não terá interesse em ler; se o ler, não o compreenderá; e se compreender, não acreditará.”

Interesse, capacidade de entendimento e aceitação, três condições que não são frequentes entre os seres humanos. Usando uma metáfora de Herman Hesse em seu livro “Demian”, só os que tem a “marca de Caim” terão essas três virtudes juntas em si, mesmo que não tenham sido jamais iniciados em qualquer ordem esotérica tradicional.

Porque são esses homens que fazem as Ordens existirem, não ao contrário. São homens fadados a buscarem por eles mesmo, dentro de si, sem recorrer a outros recursos senão sua introspecção e consciência.

É neles que devemos nos concentrar, já que serão os responsáveis por transmitir adiante a “sagrada luz que nos foi confiada.”

terça-feira, 18 de maio de 2021

O EGO E O SERVIÇO

 

Mario Sales, FRC, SI



É comum ouvir em outros ambientes queixas de ausência de reconhecimento pelos serviços prestados ou uma suposta falta de justiça ao desempenho profissional ou pessoal.

Já vi muitas pessoas dilaceradas por essa angústia, sem que eu pudesse fazer alguma coisa ou dizer alguma coisa que diminuísse seu sofrimento e angustia.

E isto por uma única razão: suas queixas nada tinham a ver com acontecimentos externos ou pelo comportamento de outras pessoas, fossem superiores ou subordinados. Todo o sofrimento daquele individuo tinha a ver com seu próprio Ego.

O curioso é que o Ego tem um papel fundamental na individuação de uma pessoa, na assunção de responsabilidades pessoais e de um papel qualquer social.

É através do Ego que reconhecemos nossas qualidades e deficiências, que buscamos individualmente a evolução ou, às vezes, que mergulhamos em processos de autoflagelamento psicológico.

O sofrimento que nos atinge, portanto, não tem a ver necessariamente com o Ego em si mas com a compreensão que temos dele e de sua relação com o todo a nossa volta.

O Ego é, como todas as nossas características psicológicas, um instrumento que podemos usar para o bem ou para o mal; embora ele leve a culpa por uma atitude autocentrada batizada inclusive de Egoismo, na verdade o Ego é usado dentro de uma estratégia perversa, como bode expiatório de uma atitude atrasada do ponto de vista espiritual.

Não é o Ego o problema, portanto, mas a maneira como o utilizamos.

Saber-nos indivíduos distintos socialmente ajuda apenas a qualificar e especificar nossas necessidades espirituais e emocionais. Cada um de nós é responsável por uma parte da criação e essa parte é exatamente o que fazemos de nossa própria vida.

Pode parecer pouco, mas se multiplicarmos tudo o que cada um vivencia emocionalmente pelo número de pessoas que existe no mundo, temos uma pálida ideia daquilo a que me refiro.

Podemos, no entanto, achar que nosso trabalho social implica algo que precisa de um reconhecimento especial, diferenciado, e isto pela comparação com outras pessoas mais bem sucedidas e mais reconhecidas do que achamos que somos.

O nome disso não é egocentrismo, mas inveja e insegurança. Ilude-se quem acha que o universo é injusto ou que a fama é um sinal de sucesso.

Ilude-se quem acha que seu trabalho não é devidamente reconhecido e só pensa assim aquele que está fragilizado pela inveja e pela imaturidade.

Na verdade, trabalhar e servir a sociedade, já deve ser em si nossa própria recompensa e satisfação.

Se fizemos o melhor que podíamos ter feito, se produzimos com amor aquilo que produzimos, se nossa intervenção no social trouxe benefício a uma pessoa que seja, nossa recompensa deveria ser exatamente isso, ter servido com dignidade, independente de quaisquer reconhecimentos.

Nossa guardiã e juiza é nossa consciência e apenas a ela devemos satisfação e precisamos agradar.

Só nossa consciência nos diz quando devemos nos arrepender ou nos orgulhar do nosso desempenho.

Quem, sabedor de sua incompetência e da pusilanimidade de seu desempenho, se compraz em ser aplaudido por néscios e ignorantes, é um néscio também e um tolo. Vive uma fantasia de sucesso que não resiste ao tempo nem às análises mais cuidadosas.

Além disso, estamos as vezes falando de pessoas muito a frente de seu tempo, que em vida não são nem reconhecidas nem tratadas com a importância que mais tarde terão.

O que não quer dizer que não existam exemplos de indivíduos bem-sucedidos e reconhecidos em vida.

Mas não são todos. Muitos foram vítimas do atraso da sociedade e dos preconceitos que levaram a que outros e não eles recebessem o crédito por descobertas as mais importantes. Reconhecimento, como soube Galileu, não é prova de que seus argumentos e descobertas são ou não importantes.

Em épocas fúteis como a nossa, e foram muitas ao logo da história, é preciso não se precipitar e entender que quem serve, serve porque quer servir e não é obrigado a fazê-lo a não ser pela sua incontrolável produção pessoal, sejam artistas, cientistas ou escritores.

E antes de tudo o serviço bem-feito deve ser um premio para quem serve, despreocupado com o reconhecimento ou com os aplausos dos que recebem este benefício.

Se servimos, sirvamos com alegria, pelo prazer de fazê-lo, sem os grilhões de esperar reconhecimento pelo que se fez.

O resto é vaidade. Somente vaidade.

quinta-feira, 13 de maio de 2021

CONSIDERAÇÕES SOBRE AS CARTAS DOS MAHATMAS

 

Por Mario Sales, FRC




Se a DOUTRINA SECRETA é uma obra obscura e às vezes errática em seu curso, desafiando a paciência e a persistência de quem se atreve a encarar seu desafio, as Cartas dos Mahatmas para A.P.Sinnett ao contrário são de uma clareza e leveza impressionantes.

Ali pode-se ouvir Ku-Thu-Mi e Moria falando em tom absolutamente coloquial sobre assuntos os mais variados, com uma objetividade que deveria servir de exemplo para outros esoteristas, sem o mesmo nível de evolução, e que, mesmo assim, supõem que quanto mais rebuscado e vago for seu discurso mais erudito e atraente parecerá.

Coisas pouco claras me dão muito sono e cansaço.

Quem escreve se denuncia como alguém que quer ser compreendido. Quando eu falo com alguém espero que meu interlocutor entenda o que estou explicando e por isso uso o mesmo idioma que ele, com a mesma gramática, com uma entonação de voz e às vezes gestos que complementem e reforcem minha apresentação.

Em textos não temos a não ser idioma e gramática para nos ajudar. E claro, um curso de pensamento coerente e se possível linear.

Tudo que encontramos nos textos das Cartas dos Mahatmas para Alfred. P Sinnett e não encontramos por mais que louvemos a importância de seu trabalho, na Doutrina Secreta, cujo nome antecipa seu objetivo oculto: manter secreta a Doutrina de que fala.

K-H ou na maneira como assina, Koot’Hoomi Lal Singh, dito o Hierofante de AMORC além de irmão de Ordem do Mestre de Blavatsky, Morya, escreve com bom senso e raciocina com muita clareza. Conhece bem a natureza humana e antecipa corretamente comportamentos que hoje estão mais do que claros para psicólogos comportamentais, em relação ao modus operandi das multidões em geral.

Uma coisa, no entanto, sempre me intrigou.

Os relatos dos seus contatos com o editor do Pioneer e seu amigo, Hume, mostram que ambos os interlocutores destes excelsos mestres não eram personalidades espiritualmente diferenciadas. No caso de Hume, pelo contrário, tratava-se de alguém com pouca evolução, que chegou mesmo a elaborar estratagemas para testar a veracidade das afirmações dos mahatmas, estratagemas estes descobertos e criticados pelos mesmos como demonstrações de falta de maturidade e mesmo seriedade do mesmo.

Mais tarde, por causa deste comportamento, os contatos com este cavalheiro foram suspensos, mostrando que foi um erro dar-lhe uma atenção que muitos discípulos de natureza mística bem mais refinada gostariam de receber.

Nas palavras de K-H, na carta número 1, dirigindo-se a Sinnett, comenta:

“Em outras palavras, você presenciou uma variedade maior de fenômenos, produzidos para você e seus amigos, do que muitos neófitos viram em muitos anos.”

Por que isso? Pelo fato de que Sinnett era editor de um jornal considerado a época de importância na Índia e com ecos em Londres? Pela sua evolução com certeza não era, visto que não seria este o critério para tamanha cordialidade. Muitos tentaram contato com esses iluminados sem sucesso. E o argumento sempre foi de que não teriam merecimento para isso.

Com certeza existia outra razão que escapa aos textos publicados e que estão preservados na British Library, na Inglaterra.

Para que os Mestres se expusessem do modo como fizeram, quase como se estivessem dispostos a divertir um grupo de burgueses ociosos com feitos que pareceriam truques de mágica, a intenção destes seres excelsos deveria, em princípio, visar uma meta mais complexa.

Só posso concluir que não escreveram para o editor do Pioneer, mas sim para todos nós. Esta correspondência, eles deviam saber, viria a ser publicada no futuro e serviria de guia para aqueles que quisessem compreender os meandros do trabalho do Governo Oculto do Mundo.

Aliás, um trabalho que não é tão livre assim, nem tão arbitrário como possa parecer àqueles que supõem que o poder dá liberdade de ação aos que o detém.

Uma frase me marcou profundamente nesta primeira carta: “…quando chegar o momento e ele puder ter um relance completo do mundo do esoterismo, com as suas leis baseadas em cálculos matematicamente corretos do futuro – os resultados necessários das causas que sempre temos liberdade para criar de modelar a nossa vontade, mas cujas consequências somos incapazes de controlar, e as quais dessa forma se tornam nossos mestres…” (o grifo é meu).

Ou seja, os Mestres não podem controlar as consequências de seus atos, ou pelo menos todas as consequências, e por isso seus movimentos devem ser prudentes e cuidadosos. Eles não são livres, em todo o seu poder, para fazer o que queiram, mas precisam estar atentos às muitas repercussões de atitudes impensadas ou intempestivas, evitando tornarem-se escravos de seus desdobramentos.

Portanto, toda a cordialidade e a estranha (para nós, que nos acostumamos a reverenciá-los como seres elevados e distantes de nós) naturalidade como concederam a dois visivelmente limitados indivíduos e seus amigos, satisfazendo pedidos caprichosos e banais, de pessoas espiritualmente também banais, aquiescendo em surpreendê-los e diverti-los com feitos extraordinários, só podem significar uma coisa: tais acontecimentos foram feitos para serem registrados para as gerações posteriores a estes eventos, uma outra época, talvez a nossa, onde as coisas importantes não fossem a posição social ou os costumes não fossem tão vitorianos. Alguns podem argumentar que não estamos em um mundo evoluído espiritualmente como não estávamos naquela época. Ninguém, entretanto, negará que houve uma significativa mudança nos costumes e a informalidade hoje é bem mais numerosa do que a formalidade. E se ainda temos muitos preconceitos e manifestações de racismo, não se pode negar também que esses aspectos não são aceitos em geral pela sociedade como toleráveis e geram, muito frequentemente, consequências legais para os seus praticantes.

Em suma o mundo mudou e a sociedade deu alguns passos em direção a uma compreensão maior do fenômeno espiritualista. A visão antropomórfica de Deus, embora ainda persista como dogma em algumas crenças, não é mais vista como aceitável pela maioria das pessoas.

As religiões são constantemente “customizadas” e adaptadas as novas concepções do momento.

Visivelmente o ser humano busca novas formas de crer.

Este novo homem, arrisco-me a dizer, lerá com muito menos assombro estas cartas e estranhará o comportamento infantil dos interlocutores dos mahatmas o que só pode ser atribuído ao momento histórico em que estes fatos ocorreram.

Outro mundo, outra sociedade, outras pessoas.

Estou dizendo que pessoas banais não existem mais? Não, longe disso. O que digo é que as comunicações e a velocidade com que a informação viaja e a sua democratização permite hoje que não haja necessidade de ter que se relacionar com seres espiritualmente tão limitados para chegar aqueles que realmente importam. Quando digo isso, refiro-me, claro aos iniciados, os servidores da humanidade, aqueles que estão militando na causa da evolução. Almas diferenciadas que merecem uma atenção e uma orientação mais próxima e que terão acesso as personalidades dos Mahatmas de várias formas, uma delas lendo suas cartas e descobrindo na leveza de seus textos homens, e não deuses, que tem como único objetivo colocar toda sua erudição e experiencia de muitas vidas a serviço da humanidade.

Cem anos precisaram passar para que isso ocorresse.

Considerando a imensidão do Universo e a escala cósmica do tempo, até que foi rápido.

terça-feira, 11 de maio de 2021

O Quê e o Como

 

Por Mario Sales


 



A parte mais difícil da prática da visualização é visualizar. Parece uma tautologia idiota, mas na verdade visualização criativa não é como parece apenas ver alguma coisa na imaginação, mas transmitir uma mensagem ao cósmico, mensagem que tem seu próprio protocolo de redação, de montagem, que se não for seguido redundará em fracasso do experimento.

Por exemplo, no caso de desejar fazer uma viagem, devemos nos concentrar no local onde queremos estar e não nos meios para chegarmos até lá.

Se vamos para Pequim, na China, devemos nos ver em Pequim, e não gastarmos nossos engramas cerebrais em visualizar um avião, um navio ou mesmo uma quantia qualquer em dinheiro a qual supomos que nos leve até Pequim.

Portanto um dos pressupostos da visualização é que jamais nos concentremos em meios, mas sempre nos fins.

Os meios, Deus, em seu infinito poder, proverá.

Lembrava o poeta que as soluções de Deus sempre nos surpreenderão e estão além de quaisquer antecipações, através destes belíssimos versos:

“(Se eu quiser falar com Deus)

Tenho que dizer adeus
Dar as costas, caminhar
Decidido, pela estrada
Que ao findar vai dar em nada
Nada, nada, nada, nada
Nada, nada, nada, nada
Nada, nada, nada, nada
Do que eu pensava encontrar”



Fins e não meios. Porque não podemos dizer ao altíssimo, arrogantemente, como ele deve nos ajudar. Ele sabe tudo, pode tudo. Nada sabemos que ele não saiba e muitas coisas ele sabe que nós nem chegamos a cogitar.

Portanto precisamos confiar que a Consciência Cósmica interagirá melhor do que nós com as possibilidades disponíveis e nos trará uma solução simples e elegante para nossas necessidades.

Nessa mesma perspectiva devemos evitar de ser muito detalhistas quanto a objetos de grande vulto, não por causa do tamanho, porque isso não importa, mas porque detalhes demais sempre são uma forma de impor nossa visão à Consciência Cósmica, e isto não é de bom tom.

O exemplo da casa é importante e me vi sendo questionado em uma palestra virtual sobre esse aspecto.

Primeiro falei da importância da nitidez da imagem e depois falei do inconveniente de detalhar demais o que desejamos. No exemplo de desejar uma casa, podemos visualizar uma casa com paredes de fumaça, imaginando simultaneamente as qualidades que desejamos nesta casa como conforto, claridade da luz natural, espaço e linhas contemporâneas, mas aconchegantes. Como tais qualidades não podem ser visualizadas, na visualização projetamos a imagem de uma casa de fumaça, enquanto repetimos mentalmente, como se fosse um mantra, a lista de qualidades que a casa deve ter (conforto, claridade da luz natural, espaço e linhas contemporâneas, mas aconchegantes). Paredes de fumaça, teto de fumaça, mesmo com pé direito alto, mas sem dar uma forma a casa que possa impedir a participação do Grande Arquiteto no desenho final.

Resolvi escrever essas coisas para se possível deixar claro que isto se baseia no mais importante princípio da visualização. Diga a Deus o que você precisa, mas não como ele deve lhe ajudar. Esses são assuntos que estão além da nossa capacidade de decisão.

Como sempre repito, não acreditem em mim.

Testem esta técnica. Depois se quiserem me escrevam dizendo como se saíram. Ficarei muito feliz de ler seus relatos.

segunda-feira, 3 de maio de 2021

NOVAS INTERPRETAÇÕES DO TERMO C.R-C

 

Por Mario Sales

 



Conversei com outros artesãos da Rosacruz sobre minhas dúvidas levantadas no ensaio anterior. Baseando-se em palestras internas pregressas da Ordem, Frater Canalli me propôs outra interpretação, aliás conciliadora sobre os dois aspectos.C.R+C é um título, não o nome de alguém. Cristus Rosa Cruz é a condição de iluminado da Ordem que identifica, encarnação após encarnação, uma personalidade alma responsável pela implementação e fortalecimento da Ordem Rosacruz época após época. Existe um documento inclusive, relativo a assuntos administrativos, datado de 1934, assinado por H. Spencer Lewis, aonde após seu nome ele coloca as letras V.G.M seguida de C. R+C. ou seja, Venerável Grande Mestre e, em seguida, o título de Cristus Rosa Cruz, que o identifica como o CRC da época contemporânea. Ou seja, de tempos em tempos, um CRC encarna com a finalidade de soerguer o movimento rosacruciano e Ku-Thu-Mi referia-se provavelmente a um deles. Isto não é explicado na Carta 20 e causa o desconforto de deixar no ar a existência de um ser histórico com esse nome, que traduzido para o alemão tornou-se Christian Rosencreutz.

Me parece satisfatório. Agradeço a Frater Canalli pelo brain storm esclarecedor.

 

domingo, 2 de maio de 2021

CONTRADIÇÕES

 

Por Mario Sales, FRC

 

        

           
Spencer Lewis 


   

   Ku-Thu-Mi

 

“Conforme afirmamos, Mme Helena P. Blavatsky foi a primeira a apresentar popularmente aos estudantes místicos um dos mestres da Grande Fraternidade Branca. Ela obteve permissão de seu mestre (El Morya) para assim fazer (…). Fez ela muitas descrições interessantes de manifestações de seu mestre (Morya) e mestre companheiro (Ku-Thu-Mi). (…) Nós, que já estabelecemos contato com seu mestre e com outros e que trabalhamos sob sua orientação, conhecemos as coisas maravilhosas que por eles e por intermédio deles são realizadas diariamente (…).”

Manual Rosacruz, H. Spencer Lewis, 6ª edição, coordenação de Maria A. Moura, Ed Renes, pág. 205 e 206

 

“Ao aproximar-se o momento de cada jurisdição ou país promover o renascimento da Ordem, tomavam-se providências para a habitual emissão de um manifesto, ou panfleto, que lançava o começo de um novo ciclo. (…) Esse manifesto, decreto, ou símbolo, anunciava a descoberta de uma “tumba”, em que for a encontrado o “corpo” de um grande mestre, C. R-C (Cristian Rosenkreutz), juntamente com joias raras e escritos secretos ou inscrições gravadas em pedra ou madeira, que conferiam poderes aos descobridores da “tumba”, para restaurar a secreta organização. (…) É preciso que se torne evidente, para o leitor desta história, que a descoberta de um “corpo” numa “tumba”, ou do corpo de uma pessoa conhecida como Cristian Rosenkreutz é alegórica, não devendo ser compreendida no seu sentido literal. Em primeiro lugar a palavra “corpo”, na língua em que foi primeiramente empregada simbolizava algo inteiramente diferente do corpo físico de um homem. Em segundo lugar as iniciais C. R-C não significavam Cristian Rosenkreutz, exceto na tradução das palavras que elas representavam para o alemão. Estas iniciais, significando Christus da Rosa-Cruz, podem ser traduzidas para o latim, o francês e outras línguas sem qualquer alteração; portanto, as iniciais C.R-C, quando usadas a primeira vez, não se referiam a palavras alemães ou francesas, e sim latinas.”

In “Perguntas e Respostas Rosacruzes”, H. Spencer Lewis, Biblioteca Rosacruz, Grande loja do Brasil, 2ª edição, 1983, páginas 73 e 74.

 

 

“Eliphas (Levi) estudou os manuscritos rosacruzes (agora reduzidos a três exemplares na Europa). Estes expõem nossas doutrinas orientais com base nos ensinamentos de Rosenkreutz, que após o seu regresso da Ásia, as revestiu com uma roupagem semi cristã, com a intenção de proteger os seus discípulos da vingança clerical. (…) Rosenkreutz ensinou verbalmente. Saint Germain registrou as boas doutrinas em linguagem cifrada (…).

Ku-Thu-Mi In “Cartas dos Mahatmas para A.P. Sinnett, 2ª edição volume I, Editora Teosófica, Brasília, DF, págs. 131,132.

 

Alguma dessas afirmações não é verdadeira.

Os rosacruzes de AMORC aprendem desde cedo que nosso hierofante, a mais alta autoridade da hierarquia da Ordem não é o Imperator mas Ku-Thu-Mi, um dos mestres da Grande Fraternidade Branca, entidade revelada ao mundo por Helena Petrovna Blavatsky, fundadora da Sociedade Teosófica.

El Morya, Mestre de Mme Blavatsky, e Ku-Thu-Mi, seu mestre companheiro mantiveram por trinta anos, entre 1870 e 1900, correspondência pessoal, como todos sabem, com um editor de um jornal indiano chamado Alfred Percy Sinnett[1], editor do The Pioneer, em Alahabad. Essas cartas estão disponíveis em Londres, na British Library. Foram publicadas de dois modos. Uma versão que as organiza de acordo com seus temas principais, sob a égide de C. Jinarajadasa, à época presidente da Sociedade Teosófica. A outra versão tem o título As Cartas dos Mahatmas e foi organizada seguindo a ordem cronológica das mesmas, em dois volumes. Ambas as publicações foram traduzidas para o português pela Sociedade Teosófica e estão disponíveis em várias livrarias virtuais.

 

Alfred Percy Sinnett

 

Na segunda versão, “As Cartas dos Mahatmas”, Flavio me chamou a atenção para o trecho em epígrafe neste ensaio, na carta número 20. Neste trecho, Ku-Thu-Mi, nosso hierofante, afirma que um personagem, que aprendemos desde cedo na AMORC é fictício e simbólico, na verdade é real e histórico e teve existência física. Embora não se diga nada sobre isso, fica também a impressão nesse trecho que C. R-C foi o fundador da Ordem Rosacruz sendo que todos nós somos os seus seguidores, e isto por volta do século XVI. Embora não tenhamos como demonstrar com documentos nossa origem, nós, rosacruzes, nos consideramos herdeiros das escolas dos templos das pirâmides do Egito, e tradicionalmente é assim que cremos ter sido. Aceitar que toda a Ordem Rosacruz deva sua gigantesca tradição ao trabalho de um único homem e em época tão próxima, 4 séculos atrás, é desconcertante. Principalmente quando tal afirmação é feita por um mestre da Fraternidade Branca, um alto iniciado, além de nosso próprio Hierofante.

Ou o trecho de As cartas dos Mahatmas está equivocado ou adulterado no original, ou a afirmação de Spencer Lewis sobre a condição literária e simbólica do personagem C. R-C é falsa.

Não há como conciliar os dois trechos.

Os teósofos dirão que o que está nas cartas é fiel as declarações do Mahatma Ku-Thu-Mi, e provavelmente nos remeterão ao exemplar original na British Library para comparação.




British Library, Londres

As autoridades administrativas de AMORC também não abrirão mão da total confiança nas declarações de nosso fundador no século XX, cujos textos são as colunas de sustentação do trabalho da Ordem nos últimos 100 anos.

Só uma adulteração do texto de Ku-Thu-Mi poderia desfazer esse impasse mas caso isso não tenha acontecido, temos que admitir que, se Spencer Lewis está sendo fiel aos fatos que lhe foram transmitidos por Sar Hyeronimus, na França, Mestre Ku-Thu-Mi, o Ascenso, não é verdadeiramente infalível, e cometeu um equívoco.

Os textos teosóficos estão coalhados de declarações pelo menos errôneas, que na maioria das vezes devem-se a erros de tradução ou mesmo podem ser fruto de adulteração do original. Pelo menos na edição da Editora Pensamento de 1976, em português, que já foi dita por Carlos Cardoso Aveline, da Editora Teosofica em Brasilia, como uma edição não confiável. Ou como no caso relatado por mim em um ensaio anterior, Filósofos de Fogo, de 26 de julho de 2018, e que transcrevo abaixo:


Blavatsky demonstra aqui que mesmo grandes esoteristas, orientados por mestres cósmicos, podem incorrer em equívocos.

Mais à frente, nos comentários ao oitavo verso da Estancia 3, numa belíssima passagem que revela todo seu conhecimento universalista e esotérico, diz ela:

“É ainda igualmente significativo o estranho símbolo adotado; seu verdadeiro sentido místico é a idéia de uma matriz universal, representada pelas Águas Primordiais do Abismo, ou abertura para a recepção e a subsequente saída daquele Raio Uno (o Logos), que contém em si os outros Sete Raios Procriadores ou Poderes (os Logos ou Construtores). Daí terem os Rosacruzes eleito por símbolo o pássaro aquático (seja o cisne ou o pelicano) com os seus sete filhotes (símbolo modificado e adaptado à religião de cada país. Ain Sof é chamado no Livro dos Números a "Alma de Fogo do Pelicano". Surge em cada Manvantara como Nârâyana ou Svâyambhuva, o Existente por Si, e, penetrando no Ovo do Mundo, dele sai no final da divina incubação, como Brahmâ ou Prajâpati, o progenitor do Universo futuro, no qual se expande.

É Purusha (o Espírito), mas também é Prakriti (a Matéria).”

Ora, qualquer rosacruz que tenha pertencido ou pertença à Ordem Maçônica, em qualquer de suas potências aceitas, verá que aqui não temos um símbolo rosacruz, mas sim um símbolo eminentemente maçônico, ligado ao chamado "Grau do Cavaleiro Rosacruz", ou Grau 18, que foi , aqui, equivocadamente atribuído aos rosacruzes em si.



Na verdade, a simbologia do Pelicano que morde o próprio peito e tira seu próprio sangue para dar como alimento aos seus sete filhotes refere-se a este grau da maçonaria e representa, na simbologia maçônica, o desenvolvimento da virtude da misericórdia, como lembra talvez o mais importante autor maçônico brasileiro, o alagoano Nicola Aslan. Não quero dizer com isso que o texto de Cartas dos Mahatmas que traz esta contraditória afirmação atribuída a mestre KH seja incorreto. Embora eu tenha plena confiança nas afirmações de Spencer Lewis, e sua explicação de C.R-C como um símbolo literário e recurso de aviso velado da reativação do trabalho da Rosacruz após o ciclo de repouso de 108 anos faça, para mim, muito mais sentido, na verdade me faltam dados para bater o malhete e dizer qual afirmação corresponde a verdade.

Deixo em aberto minha perplexidade e apenas anoto esta contradição entre textos de duas nobres e respeitáveis tradições esotéricas, que atribuem a um mestre ascenso, em princípio infalível, como já dito, declarações contraditórias e inconciliáveis, esperando eventualmente que esta dúvida seja desfeita por um leitor tão detalhista quanto eu.


[1] Alfred Percy Sinnett (18 de Janeiro de 1840 - 26 de Junho de 1921) foi escritor e teósofo.

As cartas dos Mahatmas, que geraram a controvérsia que mais tarde contribuíram na divisão da Sociedade Teosófica, foram escritas majoritariamente para Sinnett. Em 1880, Helena Blavatsky e Henry Olcott visitaram Sinnett em Shimla. Em 1881 Sinnett escreveu O Mundo Oculto, e em 1883, Budismo Esotérico. Posteriormente, Sinnett foi presidente da Loja de Londres da Sociedade Teosófica. Ele foi Vice-Presidente da Sociedade Teosófica entre 1880-88, 1895-1907, 1911-1921, e atuou como Presidente por quatro meses em 1907, logo após a passagem de Henry Steel Olcott.

Fonte Wikipedia