Por Mario Sales
A evolução da epistemologia, também conhecida por Teoria da
Ciência, avançou com botas de sete léguas ao longo do século XX.
Esta área, hoje, da Filosofia, tem como objetivo estabelecer
os critérios necessários para se estabelecer a veracidade de uma afirmação
teórica. Além disso essa disciplina estuda a natureza do contato entre o
observador e o observado, de que forma eu conheço ou reconheço o que está fora
de mim.
Longe de ser um debate acadêmico e vago, ela possibilitou a
consolidação do método científico como primeira condição de confiabilidade
quanto a uma hipótese científica.
Antes desse movimento as indagações científicas sofriam de
uma grave doença, a compulsão especulativa.
Embora alguns cientistas e pensadores já estivessem montando
pouco a pouco o quebra-cabeças da compreensão do Universo através de
experimentos os mais simples, mas mesmo assim, extremamente rigorosos, grande
parte do pensamento científico, principalmente no século XIX, se desgastava em
debates absolutamente inúteis e infundados.
Talvez a maior conquista nessa marcha em busca do
esclarecimento, primeiro, se um conhecimento científico realmente é possível,
depois quais são os critérios que tornam uma experiência verdadeiramente
confiável, tenha sido o próprio método científico.
Duas condições são fundamentais para que possamos concluir
que uma determinada experiencia é científica: verificabilidade e
reprodutibilidade.
Uma experiência é científica, primeiro, quando pode ser
verificada. Toda afirmação é submetida ao crivo experimental, fora aquelas que
são baseadas em cálculos matemáticos e conclusões retiradas de observações
indiretas, como no caso do estudo de planetas distantes as custas da espectrometria,
a área que nos dá, pela cor, pela área do espectro, a possibilidade de saber de
qual substância ou gás estamos falando.
No caso da matemática, a linguagem da ciência, embora não
estejamos livres de uma confirmação experimental ou pela observação de
fenômenos detectáveis e mensuráveis, temos a possibilidade de fazer
prognósticos muito confiáveis do comportamento da natureza, principalmente na
física de partículas. Embora, por exemplo, conheça-se a física quântica,
matematicamente, desde o inicio do século XX, com o trabalho de Einstein e
Planck, só décadas mais tarde equipamento adequado ao trabalho experimental no
campo quântico foi desenvolvido e continua a ser aperfeiçoado, até nossos dias.
Então, a verificabilidade é feita ou pela experimentação
direta na natureza ou pela análise de cálculos matemáticos que se mostrem
corretos e plausíveis.
Um outro critério, importante na avaliação da confiabilidade
de uma experiência, é a sua reprodutibilidade. Fatos científicos sempre se
comportarão da mesma forma, se as condições para sua ocorrência se repetirem,
independente do país ou da pessoa que faça o experimento.
O mais simples exemplo é o experimento da gravidade. A
maneira mais simples de determinar que a força gravitacional age sobre todos os
corpos no planeta é deixar um objeto cair ao chão.
Em qualquer lugar do planeta, qualquer objeto solto no
espaço deverá mergulhar em queda livre até o solo, atraído pela força
gravitacional do nosso planeta.
Não se trata de uma crença, mas de um fato, demonstrável, se
necessário, centenas de vezes por dia.
Aliás, em ciência, existe um lugar para a crença. Muitas
vezes, o cientista imagina certos comportamentos os quais deverão ser testados
pelo método científico. Muitas vezes, a experimentação desmente a hipótese
inicial, mostrando que a idéia não se sustenta nos fatos. Tal fato não
caracteriza um fracasso científico, pois o método vale tanto para confirmar uma
idéia como para refutá-la. Nenhuma experiência é vã, portanto.
Assim a ciência tem caminhado, principalmente no século
passado, experimentando, verificando e reproduzindo resultados, provando desta
maneira a natureza confiável dos fenômenos.
Coisas que não possam ser verificadas, ou por não poderem
ser nem afirmadas, nem refutadas, não são científicas.
Na maioria das vezes ficam no âmbito da fé e das crenças
pessoais. Em ciência no entanto, crenças pessoais são o que menos importa. Se
eu tenho algum tipo de crença, e se a experiência me demonstra que estou
errado, como cientista deixo imediatamente para trás aquela crença,
descartando-a como falsa ou imprecisa.
Essa longa introdução tem uma única finalidade: mostrar que
cientistas não podem, se querem construir um conhecimento sólido, basear-se
apenas em opiniões. Nada impede que as tenham, mas estas, para serem
consideradas opiniões sérias devem estar fundamentadas ou matematicamente ou
pela experimentação.
Pode-se discutir sobre muitas coisas, a natureza da beleza,
o papel da música no aumento de nossa sensibilidade, a importância da ética no
comportamento social, mas estas discussões não são discussões de natureza
científica.
O século XX consagrou uma visão de mundo que visa
principalmente compreender como o universo e seus fenômenos funcionam.
Mesmo a filosofia contemporânea, quando associada a ciência, tem um foco no
estudo dos mecanismos por trás de determinados fenômenos, e nas nossas
conclusões a partir de nossas observações, usando para suas reflexões
informações oriundas do trabalho experimental.
O tempo da disputa meramente retórica terminou, faz já algum
tempo. Resgatamos da história da ciência personalidades que, em todas as
épocas, foram científicos e usaram o método científico e matemático para os
seus trabalhos e investigações. Arquimedes, Eratóstenes, Pitágoras, são alguns
desses nomes. Da mesma forma lembremos das ervilhas do padre Mendel, de Newton tanto
por seus experimentos óticos, como por seus cálculos precisos da gravitação
universal; Tico Brahe, Kepler, Galileu; os muitos experimentos na aviação de
Santos Dumont, do magnifico trabalho de elaboração da Tabela Periódica de
Mendeleiev, de Edson, de Tesla, de Pasteur e Fleming.
Esses homens produziram, cada um, uma parte do legado do
qual hoje desfrutamos.
Novamente: cientistas não podem, se querem construir um
conhecimento sólido, basear-se apenas em suas opiniões. Será necessário testar
e demonstrar para a comunidade científica, seus resultados, de forma a que
sejam analisados, criticados e verificados, e assim, transformados em
conhecimento consolidado.
Não somos, enquanto cientistas, filhos de Platão ou de
Aristóteles mas sim de Arquimedes e de Eratóstenes. Esta é nossa verdadeira ascendência.
Por isso a leitura de Isis sem Véu é tão difícil, mesmo
sendo um clássico do esoterismo. Ler página após página, suas críticas à ciência
por duvidar do que não foi demonstrado, por não reconhecer aquilo que não pode
ser testado, é no mínimo cansativo.
Não se trata de duvidar ou crer em suas afirmações. O que
qualquer leitor cientificamente treinado sente falta é aquela simples
compreensão de que suas afirmações não têm caráter científico. Muito menos
podem ser classificadas como a expressão da verdade, já que não há, em qualquer
parte da obra, nada além de relatos sobre relatos, de histórias colhidas em
diversas tradições, que segundo esta importante autora, representariam uma
prova do porquê de certos fenômenos.
Não sabia a nobre teósofa que a preocupação mais importante da
ciência não é mais o porquê, mas o como.
Se os relatos de Isis sem Véu pudessem ser confirmados,
demonstrados, tudo poderia ser esclarecido, pacificamente, sem muito debate,
mas não é assim. Sem a demonstração, folha após folha o que se discute são
crenças, sobre as quais não importam se são ou não aceitas pelo leitor, porque em
ciência o que menos importa, como disse, é a nossa opinião. A ciência é
construída a partir de verificações que se não puderem ser feitas, excluem o fenômeno
do interesse científico.
Essa talvez seja a maior falha nos textos esotéricos.
Os mecanismos pelos quais certos fenômenos que ali são
afirmados como possíveis, não são compartilhados.
Ninguém discute comos, apenas porquês.
Aguardemos que algum dia, os esoteristas se decidam a
compartilhar seu conhecimento com o resto da humanidade, de maneira a mais
didática possível.
Talvez aí possamos, finalmente, conversar de forma
civilizada.
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