Por Mario Sales
A coragem é cantada em prosa e verso como uma virtude
fundamental. No entanto, se pensarmos essencialmente na sobrevivência do
indivíduo, ser corajoso atrai muito mais riscos e perigos.
Esconder-se, esgueirar-se, manter-se discreto e, se
possível, invisível, sempre foi uma estratégia mais útil para manter-se incólume
em meio a tantas ameaças à nossa integridade.
Sem uma saudável consciência dos perigos que nos cercam,
portanto sem o medo, temos muito mais possibilidades de caminhar para nossa
própria destruição.
A covardia, portanto, nos protege.
Isto não significa que a covardia seja melhor que a coragem.
Trata-se apenas de uma estratégia alternativa que deve sim ser considerada
dependendo do contexto.
Usar um ou outra maneira para enfrentar os perigos, provavelmente,
não é opcional. Trata-se de um traço de comportamento, na minha opinião, mais biológico
que cultural.
Como este ensaio é sobre a Covardia, e como ao longo dos
séculos esta forma de comportamento tem recebido críticas e ataques, resta-me,
para fazer a diferença, elogiar as virtudes de ser covarde.
Primeiro: como é óbvio, o covarde é um mestre da
Dissimulação. Ou por estar desiludido consigo, ou por ser realista acerca de
suas reais capacidades e habilidades pessoais, o covarde sempre evitará o
combate, a disputa, o confronto. Tudo que aprendeu ao longo de uma vida inteira
foi ocultar, da melhor maneira possível, seus inegáveis e indubitáveis
defeitos.
E aí surge o primeiro equívoco positivo que a covardia
verdadeira provoca. Todo covarde, por ser covarde, é um pacifista nato, já que
em função de seu medo permanente pensará seis vezes antes de reagir a uma
agressão. Paralisado pelo terror, poderia ser facilmente confundido,
enganosamente, como alguém acima de reações beligerantes, um ser superior,
quando na verdade sua principal preocupação é a autopreservação.
Segundo: o covarde aparentará ser um indivíduo altamente racional,
um ser que não cede aos impulsos ou aos desejos, da ganância, quando na verdade
o que o impede de ceder é o medo das consequências de seus atos ou de um
desempenho pífio. Sua autocrítica é extremamente severa e o imobiliza, impedindo
gestos demasiadamente intensos.
Terceiro: ao contrário dos infelizes, existe uma certa
serenidade na covardia. Os infelizes lamentam-se de sua condição. Covardes
SABEM de suas limitações, que não tem qualidades das quais se orgulhar e
parecem conformados com isto, desde muito cedo na vida.
Esta situação gera o segundo equívoco positivo na vida dos
covardes. Por ser consciente de sua incapacidade, o covarde sempre parecerá
humilde, quando na verdade, o seu comportamento reservado é uma forma de evitar
que outros percebam os muitos defeitos que julga possuir.
Não se trata de alguém negativo. O covarde sabe que não é o único
a ter defeitos; no entanto, por ser covarde, evitará a todo custo expor esses
defeitos a outros, a não ser como uma técnica de sedução. Afinal, todo
psicólogo sabe que uma aparência frágil induz em outras pessoas um instinto de
proteção. O covarde usará sua aparente fragilidade para inspirar compaixão no
seu objeto de desejo, que não for suficientemente sagaz será facilmente vitima
desta antiga armadilha emocional.
A compaixão é o primeiro passo para a empatia, que gera
ternura e depois afeto. Ser covarde não significa ser estúpido.
Todos nós participamos do jogo da vida com as cartas que
recebemos, tentando usá-las da forma mais lucrativa possível. Alguns compensam
sua pouca força física com a inteligência; outros compensam a falta de beleza
com a eloquência ou o talento artístico. Existem mesmo aqueles que, para
superar a maldade que têm dentro de si dedicam-se intensamente a atos generosos.
O covarde, por ser covarde, jamais o fará, não por uma virtude
ética, mas pelo medo das consequências. Assim é com o covarde, pois até para
ser realmente mal é preciso coragem. O mal é destrutivo, ativo, avassalador. O
indivíduo realmente mal impõe seus desejos, tripudia sobre os outros, despreza
os fracos e os limites da ética.
E para romper as barreiras morais, uma de duas coisas é
necessária: supor-se acima do Bem e do Mal, ou ser um indivíduo sem escrúpulos
de ultrapassar os limites do bom convívio social.
Um ser verdadeiramente superior abre as portas que parecem
restringir a maioria; o indivíduo maldoso apenas derruba as mesmas portas a
pontapés.
Já o covarde, exatamente por ser covarde, jamais teria
atitudes intempestivas que revelassem seus verdadeiros sentimentos. Só um
indivíduo maldoso corajoso o suficiente para isso manifesta publicamente sua
maldade.
De qualquer forma, por não manifestar o mal que traz dentro
de si, o covarde será erroneamente considerado um virtuoso, da mesma forma que
atribuímos sabedoria a quem se mantém em silêncio, até que ao abrir sua boca
percebamos sua enorme estupidez.
Por último, é preciso fazer uma distinção entre dois tipos
de pessoas: os impulsivos e os corajosos. Na verdade, a impulsividade é
resultado do descontrole dos instintos, com a perda parcial ou total do senso
de autopreservação.
Como dissemos, o medo de ferir-se, de ser destruído, física
ou moralmente, tem um caráter biológico saudável.
Ausência de medo não é igual, portanto, à coragem. Pode ser
apenas um problema de natureza neurológica ou psiquiátrica.
Um indivíduo corajoso, ao contrário, tem plena consciência
dos riscos envolvidos em suas opções de ação e, mesmo assim, tem a determinação
de enfrentar esses riscos e superá-los, na busca de um objetivo.
Já o covarde, por ser covarde, jamais corre riscos, aparentando
assim ser uma pessoa extremamente sensata, quando na verdade tem apenas medo do
fracasso.
Não fazer o mal, portanto, não é o mesmo que ser bom. Pode
ser apenas medo de revelar-se em toda a sua natureza animal e instintiva. Da
mesma maneira não correr riscos pode parecer prudência e moderação, quando na
verdade, às vezes é uma estratégia covarde por medo do sofrimento e da dor.
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