Por
Mario Sales
“Sentados
à soleira tomam sol
Velhos negociantes
sem fregueses.
É um
sol para eles: mitigado,
Sem pressa
de queimar. O sol dos velhos.
Não
entra mais ninguém na loja escura
Ou se
entra não compra. É tudo caro
Ou as
mercadorias se esqueceram
De mostrar-se.
Os velhos negociantes
Já não
querem vende-las? Uma aranha
Começa a
tecelar sobre o relógio
De parede.
E o sagrado pó nas prateleiras. (...)”
“Tempo ao
Sol”, de Carlos Drummond de Andrade,
in
Boitempo II, Ed Record,1986
Estou
aqui sentado, tentando escrever e recuperar o tempo perdido no silêncio e na
inação literária. Mas as idéias (ah! As idéias) não estão muito comovidas com
meu esforço. Trata-se de um jogo.
Escondem-se
de mim na floresta da mente, rindo, zombando da minha falta de assunto.
Ouço suas
risadas por trás dos meus neurônios, mas não as vejo.
São
idéias em fuga lúdica, divertindo-se em me ludibriar, por 10, 20 ou 60
minutos que sejam.
São
impiedosas como crianças. Parecem mesmo ter prazer em ocultar-se, como em uma
brincadeira infantil.
Súbito,
um vislumbre: são idéias infantis, portanto, sem importância para reflexões
adultas e profundas.
Já sei
como ganhar este jogo. Basta jogar a toalha, desistir de caçá-las, largar a mão
de tentar achar quem não quer ser encontrado.
Melhor
esforço é ficar aqui, calmo, nesse domingo de sol e tranquilidade embora, às
vezes, esse mesmo sol me lembre o sol da citação em epígrafe.
Não é a
idade, no poema, que me incomoda, mas a falta de “fregueses”, a carência de
interesse de outros no que temos para vender.
De
repente percebi que, como com as idéias, ando perseguindo
afetos e mendigando atenção de “fregueses” desinteressados.
Não sei
de onde vem essa minha carência tão intensa que me faz ser gentil e solícito
até com estranhos, talvez na esperança de receber algum gesto inesperado de
carinho, um sorriso, um abraço.
Pensei
que com a maturidade tivesse superado esta sequela da infância de precisar ver
outras pessoas, encontros que sustentam meu humor, que me obrigam a dizer
coisas espirituosas ou discutir tolices para provocar risadas; ou falar sobre
assuntos sérios e profundos, essas conversas que ajudam a “matar o tempo” que
se arrasta, e que a imagem da aranha que faz a teia no relógio, no poema de Drummond,
descreve assustadoramente tão bem.
Meu tempo,
às vezes, tem semelhanças com essa imagem.
A mesma
rotina que me dá uma vida equilibrada, me aterroriza com alguns sinais do
tédio, do vazio de intenções e desafios.
Como os
velhos comerciantes do poema, nesses inquietantes momentos, quietos demais,
ninguém entra ou mesmo quer entrar na loja do meu espírito; ninguém se
interessa pela minha “mercadoria” especulativa.
Nesses
momentos sou desnecessário, inútil, obsoleto.
Aqueles
que “compram” alguma coisa, compram aquilo que gostam quando vêem.
Nos dias
de calma excessiva, com o tédio a espreita, cresce meu receio de não ter
atrativos para os que me cercam, de não ter mais nada interessante para vender,
para oferecer àqueles que me procuram ou que encontro pela vida.
Se estas
sensações são ilusórias ou não, nestes momentos, não discuto. Não
importa se essas percepções correspondem ou não à realidade.
Procuro
apenas descrever essas inoportunas sensações que chegam sem convite à minha
mente, e como essas visitas indesejadas, invasivas, me atormentam com comportamentos
piegas e pensamentos tristonhos.
Alguém
talvez classificasse essas considerações como ridículas, o que me lembra um
outro poeta, Fernando Pessoa, que decretava que “todas as cartas de amor são
ridículas”. Porque não são apenas as cartas de amor, mas também nós que as
escrevemos somos ridículos.
A começar
por esses chistes, esses atos falhos que escapam de nosso inconsciente como
pensamentos incômodos e lamurientos.
São como
malas que esquecemos nos armários e que reencontramos cheias de mofo pelo
desuso, mas estão lá, ocultas por outras coisas. São idéias e emoções que denunciam
nossa fragilidade psicológica e afetiva sempre de um modo perturbador. E mesmo
assim, tais idéias insistem em desfilar pela mente nos momentos mais
tranquilos, nos quais nos permitimos uma sinceridade maior em nossas reflexões,
uma honestidade incomum no nosso cotidiano.
Nesses instantes
percebemos que por trás das personas, por trás das máscaras, como as do teatro grego, os
atores são apenas crianças assustadas com o medo do abandono, físico ou
psicológico.
Talvez a
idade nos remeta à infância por ser uma época de fragilidade semelhante, onde a
necessidade da ajuda de terceiros volta a se manifestar. Bebês e velhos
precisam ambos do mesmo tipo de carinho, do mesmo tipo de atenção, às vezes do
mesmo cuidado físico.
E isso
nos expõe, nos desarma.
Nossas
antigas fragilidades retornam como fantasmas nos assombrando como a aranha
sobre o relógio, lembrando que até o tempo está velho e que a teia do tédio
começa a envolver nosso tempo, nossas horas.
É verdade
que todas essas reflexões adultas e profundas podem não passar de meras tolices
e delírios de um domingo quieto. Mesmo assim são as minhas tolices, moram em
mim, e por mais que eu as esconda com discursos racionais e um comportamento
social adequado estão lá, à espreita, junto com a nossa ridícula condição
humana.
Se são
idéias ridículas são exatamente o que deveriam ser, já que os sentimentos mais
profundos em nós são sempre ridículos.
No fundo,
bem no fundo, ainda precisamos como crianças, do prazer de quaisquer gestos de ternura,
que salte por cima das defesas do Ego e nos atinja a face em cheio.
Um beijo,
um alisar de cabelos, um olhar mais amoroso. Todas essas coisas quando
percebidas no outro, nos enche de bem estar, relembrando a época em que coisas assim
eram grande parte de nossos dias.
A
verdadeira solidão não é estar só, mas a ausência de carinho, não só com
palavras, mas principalmente com gestos.
Se todas
essas linhas são apenas desvarios ridículos de domingo não importa. Pelo menos
agora são um texto. O invisível tornou-se visível.
O
interessante é que a fuga das idéias foi inspiradora.
O resto
não tem nenhuma importância.
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