Por Mario Sales
Olho para dentro de mim mesmo.
Vasculho sentimentos
desorganizados, caóticos, como elétrons que somem e depois reaparecem, como por
pura magia quântica.
Meus pensamentos não seguem uma linha de raciocínio clara. O
calor me faz perder a razão, o bom senso.
Desejos, imagens, secretas imagens, surgem e somem, para em
seguida de novo surgirem diante de mim.
Penso: o que de tudo isso me pertence?
As idéias vêm de mim ou passam por mim? Meus pensamentos, os
mais banais, são apenas meus, ou fazem parte de um compartilhamento ao qual
tenho acesso?
Se assim for, quem faz parte dessa partilha?
Quem comunga comigo na mesma hóstia, quem bebe o mesmo
vinho?
Se for assim, mas isto é apenas especulação.
O calor me faz ficar filosófico.
E se fosse assim e todos nós não passássemos de televisores
em lares diferentes, às vezes muito distantes um do outro, captando a mesma
programação da mesma emissora?
Sabemos que o que vemos não está dentro do televisor, que é
apenas resultado da captação de um sinal originado em um local distante dali;
mas com nossos pensamentos sempre concebemos que são produzidos dentro de nós,
que todos vem de dentro, como se o televisor emitisse a imagem que mostra, de
dentro do aparelho.
Jung chegou perto de afirmar que as mentes conversam de modo
oculto, que é possível que crenças de uma tribo isolada na polinésia atinjam a
mente de um esquizofrênico na Suíça. Ele chamava a esse fenômeno “inconsciente
coletivo”.
As idéias captadas brotam livres na mente de quem já não
reprime, ou pela ação de drogas alucinatórias, ou demência, que desorganiza a
razão.
O que os psicanalistas supõem, que exista a repressão de
pensamentos indesejáveis ou por demais caóticos é hoje sustentado pela
neurofisiologia.
Só que o Id e o Ego não estão um embaixo do outro, mas,
aparentemente, lado a lado.
É o que propõe a Dra. Jill Bolte Taylor, em uma palestra
encantadora no TED Talks, disponível, legendada em português, no YouTube. (https://www.youtube.com/watch?v=m0O0Il8Vn_g )
Ao que parece, se perdêssemos o nosso hemisfério esquerdo,
como aconteceu com ela após um grave acidente vascular hemorrágico, esta
sensação de separação que nos limita desapareceria. Descreveu lindamente a experiência em My Stroke of Insight, ainda sem tradução em português.
Dra Jill Bolte
Taylor
Ela diz que tocava nos azulejos, mas ela e os azulejos eram
apenas um. A barreira da personalidade isolada, separada, foi derrubada com o
dano causado pelo derrame ao senhor do Ego, o hemisfério esquerdo, nosso hemisfério
matemático e lógico. O que ela descreve como uma anomalia temporária causada
por um acontecimento patológico na verdade acabou por revelar a face do guardião
de nossa aparente separação individual.
Ao que parece, tudo se modificaria se pudéssemos ter, ao
menos por algum tempo, esta estranha percepção de não ser quem somos, mas de
fazer parte de tudo e tudo fazer parte de nós. Uma situação impensável para
qualquer um de nós, enquanto nossos hemisférios cerebrais esquerdos estiverem
funcionando perfeitamente.
Se já não bastassem as nossas muitas limitações neurológicas,
ainda existe esse pequeno detalhe: fomos construídos de forma a supor que estamos
separados, não só em nossos corpos, mas também em nossas mentes.
Por isso dizemos: “Este pensamento é meu”, ou “Essa idéia é
minha”.
Mergulhados na água, dois peixes ouvem um peixe mais velho
perguntar: “Como está a água?” e eles perguntam, perplexos: “Água? O que é
água?”
Mergulhados em um oceano de pensamentos, dizemos que não existe
tal coisa, um oceano de idéias formado por todas as mentes do mundo.
Como garantir, no entanto, que não é assim?
Muitas coisas que não vemos estão lá. Muitos sons que não
ouvimos estão lá. Falta-nos os olhos e os ouvidos para ouvir.
Será que na mente não é da mesma maneira? Que apenas nos
falta a capacidade de captar o que quisermos, sobre o que quisermos?
Realmente, hoje está muito quente.
PS: mais informações sobre a neurocientista citada em https://www.youtube.com/watch?v=sMNwA4qbcGY
PS: mais informações sobre a neurocientista citada em https://www.youtube.com/watch?v=sMNwA4qbcGY
Muito bom querido Mário. Acredito nessa comunicação em um nível acima. Algumas vezes conectamos o mesmo canal e, por isso, sentimos que estamos próximos. É o que sinto, muitas vezes, quando leio seu blog. Um grande e fraterno abraço
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