Multi pertransibunt et augebitur scientia (Muitos passarão, e o conhecimento aumentará).

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

A MORTE DA PAIXÃO



Mario Sales



Quando saí de outras linhas e fui iniciado em uma escola esotérica, acreditei ter transposto o limiar da mediocridade, da superficialidade no examinar das coisas, da pouca atenção aos detalhes.
Pensei estar me unindo a uma classe especial de seres humanos.
Aos poucos percebi que eu não era nada mais, nada menos do que apenas um outro ser humano encontrando seres humanos como eu, todos em busca de alguma luz para suas vidas, para suas existências, enfim, um sentido para os eventos aparentemente desconexos do cotidiano.
O diferencial é que eu reconheceria isto a partir de agora, não pensaria mais como um ser humano comum, que por ser comum, julga-se especial, tem de si mesmo um alto conceito, julga-se superior em bondade, dignidade, e honra.
Conheci minha própria noite negra aonde meus orgulhos, talvez não todos, mas quase todos, foram queimados no cadinho do Carma.
Humilhado, desconstruído, desiludido, pude reiniciar minha caminhada, renovado como a Fênix, deixando para trás os conceitos de perfeição e certeza que tinha acerca de mim mesmo e do mundo.
Tudo em mim agora era dúvida e espanto, fascínio pelo que a partir de minha transmutação alquímica eu via com outros olhos. De um estado de convicções firmes passei a condição de um investigador cuidadoso e mais prudente, principalmente do que estava dentro de mim mesmo.
Apeguei-me à visão científica do mundo, procurei pensar com mais fundamentação, atento às pequenas trapaças que um pensamento descuidado faz com nossas palavras e atos. Prestei mais atenção aos meus próprios erros, às minhas próprias imperfeições, minhas próprias tentativas de parecer aquilo que nunca fui.
Aceitei melhor minhas limitações e compreendi que tudo que fazemos é o melhor dentro de nossas capacidades e grau de compreensão.
Ao perceber esta verdade, senti renovada minha noção de Humanidade, e entendi que nada, em nenhum lugar me ameaçava e que o Universo a minha volta era uma energia que embora magnífica em exuberância não me era hostil, como não me causam nenhum mal o barulho dos trovões de uma tempestade.
Existe força e vigor em todas as coisas e a única coisa que me causava insegurança ao me deparar com toda essa exuberante energia da Criação a minha volta era a minha ignorância e o meu medo.
Procurei amadurecer psicologicamente e entender que força e vigor não são sinônimos de ameaça.
Procurei aprender a lição dos surfistas sem nunca ter sequer subido em uma prancha de surf, de que a Força descomunal das Ondas do Oceano pode, se eu souber usá-la a meu favor, ajudar-me a conseguir dias mais felizes e gratificantes, dias de Sol, não de Sombra.
O segredo era a comunhão com estas forças, a capacidade de me harmonizar com sua intensidade, sua vitalidade.
O Universo, aprendi, é feito dessas forças, poderosas forças, que interagem umas comas outras, e a Vida em si é produto desta interação.
Não haveria Vida Manifesta, como dizem alguns, pelo poder de Shin, a letra hebraica que simboliza o Fogo Transformador, sem o choque dos contrários, que devem se opor e não se anular, para conseguir a manifestação.
Não é a junção de 1 e -1 que dá origem ao 3.
O 1 e o -1 levam ao Nada, ao 0, e o Nada é o Imanifesto.
Não há Vida como a conhecemos, nem Tempo nem Espaço no Imanifesto. Apenas o Vazio, a quietude sem som.
Não existe nem a Morte, pois só pode haver Morte se alguma vez houve Vida, mas somente Inexistência, o Grande Vazio.
O confronto não é pois, necessariamente conflito, mas encontro de forças, que geram reações, mudanças, Vida.
Ele é sempre melhor que o Vazio, o Nada, que pode ser uma das consequências da falta de choque de contrários, de energias, não da Di-vergência, mas da Con-vergência de duas forças que ao colidirem geram um ponto de síntese.
A opção a este choque renovador é o Nada, o 0, a banalização da existência no Silêncio e na Ausência de Paixão no cotidiano, em uma palavra, o Nihilismo.
A misericórdia e a bondade não são feitas de Vazio, são ações na realidade, são intervenções de força e regeneração.
Querer fazer o bem não é o mesmo que fazer o bem.
Não dizer uma palavra aparentemente dura não significa ausência de rispidez. Pode-se ser muito ríspido no silêncio, o silêncio dos sem paixão, o silêncio dos omissos, o silêncio dos que não querem se comprometer, se expor, dos que não querem confrontar, dos que não querem viver.
A Vida pode ser bem cômoda no silêncio, na omissão, mas jamais será a vida verdadeira, aquela que nasce do encontro entre forças, aquelas que realmente transformam alguma coisa quase morta em algo vivo e melhor.
Não há reação sem uma ação que a desencadeie, e não agir é condenar a vida ao silêncio.
Há cristãos que crêem que a mensagem mais importante do Cristo foi a de oferecer a outra face.
Não entenderam que para oferecer realmente a outra face é preciso coragem e destemor, não covardia.
Não a coragem dos fortes, mas a coragem dos que compreenderam o Universo e suas forças e a ausência de hostilidade ou perigo em sua magnífica exuberância.
É a coragem dos que não tem medo porque compreenderam que não há o que temer, que as forças que nos envolvem são as mesmas forças que garantem nossa existência e de tudo que nos cerca.
A coragem da compreensão.
Viver é agir, intervir, dizer com sua boca o que vai no seu coração.
A isto no passado chamava-se "ter espírito", ser "espirituoso", que em última análise significa estar preenchido por uma Força Espiritual garantidora de contentamento e êxtase na existência, melhor dizendo, Paixão em Viver.
Os que têm espírito têm paixão, vivem pela paixão, morrem por ela, como o Cristo demonstrou, ao virar as mesas dos vendilhões do templo ou ao entregar-se à imolação pelos romanos, confiante na ressurreição.
Quem tem confiança, não apenas fé, mas confiança no Universo, não teme nem mesmo a morte física, já que tudo que nos cerca é como um sonho, uma Ilusão.
É isso que ensina a minha fé, o Hinduísmo, e seu livro santo, o Bhagavad Gita, aonde é dito que qualquer ação é sempre melhor que a inação, que o Vazio.
Nenhum de nós é o que é por quer ser.
Todos somos, enquanto seres vivos, agentes divinos na Terra, que estão aqui, como o nome diz para agir, não para se omitir.
Somos o que somos pela vontade de Deus e não por nossa própria vontade, e toda ação, seja ela qual for, em pensamento, palavra ou ação, é mais santa que o silêncio e a omissão.
Não existem, na concepção hinduísta e não moralista, boas ou más ações, mas apenas ações.
Como ensina o Ocultismo, até o chamado Mal tem seu papel.
E o Ocultismo mas elevado completaria: "O Verdadeiro Mal está no Vazio, no Nada."
Nos tempos de hoje, neste mundo de pessoas educadas e superficiais, o Demônio do Vazio e da Omissão tenta nos seduzir.
Oremos a Deus por forças para vencer esta terrível ameaça.

4 comentários:

  1. Por outro lado o conceito de Vazio no Budismo é sagrado. Desde que os ocidentais tomaram conhecimento dos fundamentos do Budismo, causou enorme estranheza a idéia do Vazio como forma suprema de felicidade e libertação, um conceito tão diferente das imagens idealizadas de felicidade terrestre ou do paraíso alimentados pela teologia ocidental, estes últimos baseados em cenários oníricos de campos verdejantes e floridos e cidades com telhados de ouro e ruas pavimentadas com rubis e esmeraldas.

    Para continuar lendo:
    http://www.sociedadeteosofica.org.br/bhagavad/site/livro/cap52.htm

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    1. seu comentário é interessante mas gostaria de fazer um pequeno reparo.O vazio que refiro acima é a Total Ausência, o Ain, antes do Ain Soph e do Ain Soph Or no Cabala, o Nada Verdadeiro.
      O vazio do Budismo, por outro lado assemelha-se à noção de Impermanência, do Fluxo das Coisas de Heráclito, filósofo pré socrático. Chamamos Vazio, nesse caso, a ausência de definição de uma forma estática mas não à ausência de substância, mesmo que mental. É o vazio da Mente, a superação da noção de Ego, o fundir-se com o Todo, que também gera a sensação de Vazio, mas aí por fusão com o Todo, não pela Inexistência, mas pelo mergulho do fluxo de Existência, Impermanente. O primeiro é o vazio verdadeiro, o segundo é a sensação de vazio, quando o ego superado, deixa de pensar "Eu Sou", para que o "Sou", o fluxo de consciência, se manifeste. Era este reparo que eu gostaria de fazer.
      Agradeço seu comentário

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  2. Uma outra coisa, usei para exemplificar o Vazio Verdadeiro do exemplo do Ain. Mas o Ain é um dos estados possíveis do Não Manifesto, enquanto eu teço considerações sobre o Vazio da Apatia, o mal do século, a falta de paixão pela Vida. Trata-se de uma questão mais psicológica que esotérica ou cabalística.

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  3. Só posso pedir para reler atentamente o texto e pesquisar mais sobre o Vazio no Budismo. Pois tem uma visão distorcida. Como vai explicar uma outra visão de mundo usando sua visão de mundo? Imagine uma pessoa que nunca foi iniciada na AMORC, não conhece suas monografias, não conhece seus métodos e sistemáticas fazendo uma análise da AMORC. Verá que a visão dela estará bem diferente de uma pessoa que frequenta a AMORC...

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